domingo, 27 de dezembro de 2009

2009, bom balanço de debate em direitos humanos!!!

Queridos bantulandizados,

Estamos em contagem decrescente para lamber o tempo e o espaço de 2010. Será bom, para nós, porque continuaremos a ler e debater ideias sobre direitos humanos. Por falar de leitura e debate, quero ser grato a todos aqueles que têm apostado em ler e discutir sobre direitos humanos aqui, no bantulandia. Quando criei este blogojornal em direitos humanos, há sensivelmente 15 meses, prometi publicar textos, escritos com meu próprio punho, e entrtevistas que as faria a nacionais, particularmente. A promessa de usar este blogue, para esse fim, foi cumprida, ainda que assuma que não em 100 por cento. Numa contagem feita, publiquei 22 textos, dos quais mais ou menos sete os tinha publicado, nos jornais moçambicanos nos anos 2007 e 2008. Também publiquei 15 entrevistas, dos quais quatro já tinha publicado em jornais moçambicanos.

Para mim, faço um bom balanço; porque mesmo com escassez de tempo para refletir sobre direitos humanos, em virtude de minhas actividades de exílio teológico, pude explorar oportunidades. A isso dou graças a´O SENHOR DEUS. A Ele Honra e Glória pelos séculos dos séculos.

Esperem mais debate para 2010.

Shalom!
Abraços, Josué Bila

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Ser branco dá vantagens

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É o juiz conselheiro João Carlos Trindade quem o reconhece
Ser branco dá vantagens- e lamenta o aportuguesamento das universidades privadas...

Entrevista conduzida por Josué Bila*

João Carlos Trindade, um dos juizes conselheiros do Tribunal Supremo (TS) e director do Centro de Formação Jurídica e Judiciária (CFJJ), reconheceu, em entrevista ao Embondeiro, que nota, com muita infelicidade, que ser branco dá uma série de vantagens em Moçambique, em comparação com os que não são desta raça. A mim, como cidadão moçambicano, custa muito – faço das palavras de Mia Couto minhas – ir a um lugar qualquer e ser atendido primeiro por ser

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

Josina Nhantumbo: “Direitos humanos existem dentro de peculiaridades culturais”

Antropóloga de verbo refinado e de competência profissional reconhecida. Sabe esgrimir idéias sobre o trilho convergente/divergente entre antropologia e direitos humanos. Aliás, essa é a razão por que o bantulândia convida-a, em entrevista, para deixar seus traços intelectuais. Seu nome é Josina Nhantumbo*. Na entrevista abaixo, ela alerta que os direitos humanos não devem ser vistos como antagónicos às peculiaridades culturais. “Porque dentro das peculiaridades culturais

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Sociólogo Book Sambo: "Os homens do governo moçambicano não cresceram o suficiente para acomodar interesses de direitos humanos”

Josué Bila*

 




Em entrevista à Dhnet-Moçambique, o sociólogo Book Sambo revelou que o Estado moçambicano, de um modo geral, não tem uma política clara sobre quando deve ratificar ou não um instrumento internacional de direitos humanos. “Lembro-me de uma entrevista que a Liga Moçambicana dos Direitos Humanos (LDH) fez ao ex- ministro dos Negócios Estrangeiros e Cooperação, Leonardo Simão, sobre os critérios para a ratificação dos Instrumentos
Internacionais de Direitos Humanos, ao que nos respondeu: Nós (Estado/governo) não temos uma regra clara. Mediante as circunstâncias, nós podemos ratificar um documento ou não”.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Manuel de Araújo: Ignorância de deputados sobre direitos humanos é assustadora


 

O deputado moçambicano Manuel de Araújo denunciou, em entrevista exclusiva concedida ao bantulândia, o que qualifica de “ignorância e fraca preparação em direitos humanos dos deputados que compõem a Assembléia da República (AR)”. Araújo, que já trabalhou na Amnistia Internacional, diz que dos 15 membros da Comissão de Relações Internacionais da AR, da qual faz parte, mais de metade não tem a mínima idéia do que sejam relações internacionais e direitos

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Obrigações do Estado moçambicano, em face à explosão do paiol de Mahlazine

Obrigações do Estado moçambicano, em face à explosão do paiol de Mahlazine
Em nome da ética imposta pelos direitos humanos, o texto abaixo traça propostas e obrigações que pesam sobre o Estado moçambicano, para o ressarcimento às vítimas de tragédia de Mahlazine.


ContextualizandoAs recentes explosões de material bélico do Paiol de Mahlazine, em Maputo-cidade, colocaram, mais uma vez, a nudez Estatal e governamental, em praça pública nacional e internacional, por o Estado moçambicano negligenciar áreas tão relevantes quanto sensíveis, a título de exemplo, as de Defesa e Segurança nacionais.

Convenção Contra a Tortura, Constituição e Polícia moçambicana

A televisão privada moçambicana, STV, publicou ontem imagens em que agentes da Polícia moçambicana espancavam brutalmente um cidadão, que, juntamente com os seus co-manifestantes, na indústria de Alumínios de Moçambique (Mozal), exigia o pagamento de indemnizações. Tal barbaridade policial sucedeu quando os reivindicadores eram impedidos de se manifestar, em violação às leis nacionais e internacionais sobre direitos humanos.

Mesmice famosa na Imprensa

“Liberdade de Imprensa não pode significar monopólio do microfone ou da orelha dos outros... é garantir que exista espaço na mídia para que possamos ouvir e ver opiniões e visões de mundo distintas das nossas”, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Brasil.
“Já ouviste o suficiente. Agora é a tua vez de imprimires o ritmo e de te fazeres ouvir” – Seamus Heaney

Jornalismo provinciano

(Dedico este artigo ao já falecido jornalista Xavier Tsenane, que, em 2001, me deu as primeiras e inesquecíveis aulas práticas de jornalismo)

“Os profissionais de informação devem evitar falar de generalidades, falar de tudo para dizer pouco; por isso, devem especializar-se em áreas determinadas, apoiadas, porém, numa cultura geral... Só abraça o jornalismo quem tem inteligência clara e amor à verdade” - Brazão Mazula (1999)

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Deserto de minhas publicacões

Caros leitores,

Vivo dias de intensa actividade teológica - campo académico e sociabilidade cristã. Não tenho escrito algo para postar no blogue. Apenas, estou a republicar alguns dos meus textos já conhecidos nos jornais imprensos e electrónicos, mocambicanos ou não.

Por tudo isso, as minhas sinceras desculpas.

N.B. Dentro de dias, publicarei, aqui, uma entrevista do deputado mocambicano, Manuel de Araújo.

Abrs, Josué Bila

Jornalismo e direitos humanos

A forma como a Imprensa moçambicana reporta e apresenta os direitos humanos nos conteúdos jornalísticos causa muita desilusão social e profissional. Nos conteúdos jornalísticos, não é difícil observar-se uma hierarquização deformada e preconceituosa dos direitos humanos, revelando-se uma escolha prioritariamente sensacionalista, fragmentada e esfarrapada da notícia, da reportagem, do artigo e do editorial, desprovidos de versões interpretativas multisectoriais.

segunda-feira, 14 de setembro de 2009

Por qual motivo o Estado moçambicano não ratifica o PIDESC?*

Josué Bila*

· Formaram-se mais governos ideológicos e partidários e menos Estado - Brazão Mazula (1998)

Em quase 33 anos de sua existência, o Estado moçambicano ainda não ratificou o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais – PIDESC. Ao não ratificar, revela-se incoerente: as constituições de 1975 e de 1990, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, Plano Prospectivo Indicativo, Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta, Agenda 2025, Objectivos de Desenvolvimento do Milénio e demais directrizes (inter)nacionais de direitos humanos e desenvolvimento vinculam aqueles

Estados Membros da SADC devem ratificar e domesticar urgentemente o Protocolo sobre Género

Comunicado de Imprensa


Instituto de Direitos Humanos da África do Sul, Centro de Direitos Humanos do Botswana, Mulher e Lei na África Austral – Malawi, Centro da África Austral para a Resolução Construtiva de Conflitos e Disputas, Coligações de OSC da Swazilândia


Um grupo de Organizações da Sociedade Civil (OSC) de Botswana, Malawi, Moçambique, África do Sul, Swazilândia, Zâmbia e Zimbabwe, que trabalham na área de direitos humanos apelam aos países membros da Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral (SADC), que se encontram reunidos em mais uma cimeira em Kinshasa, República Democrática do Congo (RDC), desde o dia 8 de Setembro até 14 do mesmo mês, no sentido de ratificarem, sem reservas, o Protocolo da SADC sobre Género.

Até ao presente momento, apenas três Estados Membros da SADC já ratificaram o Protocolo da SADC sobre Género, nomeadamente África do Sul, Botswana e Namíbia. Para que este protocolo entre em vigor, é imperioso que pelo menos 2/3s (dois terços) dos Estados Membros da SADC o ratifiquem; o protocolo recomenda que os instrumentos de ratificação estejam em consonância com os procedimentos constitucionais de cada país. Contudo, as constituições de muitos dos países da SADC não estão em harmonia com as lógicas das polícias baseadas no género.

Face a isso, a ratificação do retromencionado protocolo deverá ser precedido pela harmonização das constituições dalguns doa países membros da SADC, para que o instrumento ora em processo de ratificação possa ter um pleno acolhimento e reconhecimento nas ordens jurídicas internas desses países. Os reveses verificados durante a cimeira de 2008 da SADC, realizada na África do Sul, levou a organização regional a sair do “Protocolo à Acção”, daí se esperar que o espírito de activismo prático não evapore na conferência que está em decorrer na RDC.

Nós, OSC de Botswana, Malawi, Moçambique, África do Sul, Swazilândia, Zâmbia e Zimbabwe, recordamos que muitos dos Estados Membros da SADC são signatários da Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, cuja aplicação prática no terreno é muito fraca. Na verdade, esta situação tem que ver com o facto de algumas das constituições dos países da região serem omissas em termos de provisões de acolhimento de princípios de equidade de género.

Reconhecendo os objectivos do Protocolo da SADC sobre Género, conforme estabelecido na alínea a) do seu artigo 3, que diz:

“Para permitir o empoderamento das mulheres, para eliminar a discriminação e para efectivar a igualdade e equidade de género através do desenvolvimento e da implementação de legislação, políticas, programas e projectos favoráveis ao género”

Nós como parceiros da sociedade civil notamos, com profunda insatisfação, o fraco engajamento com que os governos da SADC estão a lidar com as acções tendo em vista a ratificação e domesticação de instrumentos regionais e internacionais. A nosso ver, é imperativo que os governos da SADC tomem sempre em conta que as mulheres desempenham um papel central nas esferas social, política e económica das sociedades desta sub-região continental.

A nossa posição é esta: os direitos das mulheres devem ser completamente reconhecidos, integrados e observados no quadro constitucional e/ou jurídico-legal dos Estados Membros da SADC, para que elas [as mulheres] possam desempenhar cabalmente as suas funções sócio-económicas e políticas. Reconhecemos o facto de que, tendo em conta o quadro actual, algumas políticas favoráveis ao género têm sido aprovadas, mas a existência de instrumentos legais apropriados iria lhes empoderar em tudo quanto delas as sociedades esperam.

O não reconhecimento do papel central da mulher ao nível do poder político é, em rigor, um recuo histórico. A Rainha Nzinga, em Angola, dirigiu este país num momento em que estavam a chegar, naquele território, os primeiros exploradores e missionários; a Rainha Amina, de Zaira, Nigéria, mostrou-se uma líder muito influente durante o tempo em que esteve no poder. Em certas sociedades matriacais, como os Ashanti, do Gana, as mulheres desde há muito que mostram politicamente influentes.

Reconhecendo a baixa representação das mulheres em várias esferas de influência, como na política, nos governos, media e sociedade civil, somos de opinião que a ratificação e domesticação do Protocolo sobre Género pelos Estados Membros pode contribuir para a eliminação dos desequilíbrios de género.

Apelamos aos Estados Membros da SADC para que se comprometam “com a protecção das raparigas da exploração económica, do tráfico e de todas as formas de violência, incluindo o abuso sexual, e assegurar que elas [as raparigas] tenham um equitativo acesso à informação, à educação e à saúde, particularmente à saúde sexual e reprodutiva”.

A falta de protecção às crianças e raparigas está a ficar evidente ao nível da SADC, onde raparigas de tenra idade estão a ser traficadas para a África do Sul, a partir de países como Zimbabwe, Zâmbia e Moçambique, onde são usadas como ‘trabalhadoras de sexo’ na famigerada indústria de sexo. Essas raparigas fica, assim, expostas à pandemia do HIV e SIDA.

Achamos nós que, através da assinatura e da ratificação da Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, os Estados Membros da SADC endossaram a sua vontade política, que precisa de ser reforçada através de uma apropriada domesticação e implementação.

É no quadro deste contexto que nós, como membros da sociedade civil, rogamos aos Estados Membros da SADC para que ratifiquem e domestiquem o Protocolo da SADC sobre Género. Aplaudimos a intenção de ser promovida pela troika de Política, Defesa e Segurança da SADC, uma reunião especial sobre o Zimbabwe. A data para a realização deste encontro deve ser urgentemente estabelecida.

O Governo do Zimbabwe mostra-se preocupado com outras coisas, mas ainda não deu mostras significativas de estar comprometido em acabar com as situações de injustiça em que a mulher se encontra submersa naquele país. Apelamos, desta forma, aos Estados Membros da SADC para que pressionem o Governo de Zimbabwe no sentido deste respeitar os princípios constitucionais.

Joanesburgo, África do Sul
11 de Setembro de 2009


Para informações adicionais, queira por favor contactar:

Amato Rungano, Consultor de Direitos Humanos; Zimbabwe; Telemóvel: 078-8277936
Mosa Hlope, da Coligação de OSCs da Swazilândia; Telemóvel: +268 505 5911
Corlett Letlojane, Instituto de Direitos Humanos da África do Sul; Telemóvel: +27 825 747 773
Alice Mogwe, Centro de Direitos Humanos do Botswana; Telemóvel: +267 390 6998
Seodi Venekai-Rudo White; Mulher e Lei na África Austral; Malawi; Telefone: +265-1-641534/538
Ericino de Salema, Jornalista Pesquisador; Moçambique; Telemóvel: +258-82-799 2520

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Moçambique: Múltiplos desafios-obstáculos na implementação de direitos humanos

Moçambique é, actualmente, atravessado por múltiplos desafios-obstáculos na implementação de direitos humanos. Aqui, alista-se, apenas, quatro desafios-obstáculos: (I) erosão moral dos seus dirigentes; (II) justicializar ou implementar direitos humanos; (III) promoção da igualdade e (IV) racismo partidário-governamental. Abaixo, a discussão do assunto*.

I. Erosão moral dos dirigentes de Moçambique
Entre os problemas que reduzem e, nalgumas vezes, obstaculizam o processo normal de proteger, garantir e

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Da cidadania diaspórica ao nacionalismo bacoco


O debate de idéias, em Moçambique – meu país de única e exclusiva nacionalidade -, parece ser vítima do novo e lento processo de socialização cívica e intelectual, fruto de uma cidadania historicamente tímida e de um nacionalismo algo improdutivo. Assim, no país africano, perfilam e superabundam multifacetados nacionalismos e cidadanias. Tenho, por ora, o prazer de vos apresentar apenas uma de cada: cidadania diaspórica e nacionalismo bacoco.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

José Macuane: Moçambique sem condições para uma visão suprapartidária

 

O cientista político José Macuane* é dos pouquíssimos moçambicanos que podem discutir sobre os direitos humanos, misturando o saber teórico e a retórica cidadã. Ele aponta caminhos para a compreensão multidisciplinar dos direitos humanos. Hoje, em entrevista no bantulândia, Macuane diz: “não vejo nenhum elemento distintivo neste Governo na concretização dos direitos humanos. O que vejo é uma tentativa de implementação de políticas num contexto de um Estado

terça-feira, 11 de agosto de 2009

Conceição Osório: “As instâncias partidárias exprimem modelo de dominação masculina”


Contra-argumentando a matriz político-partidária de construção ideológica de quem é herói nacional, o bantulândia escolhe e consagra Conceição Osório para uma das heroínas em direitos humanos da mulher moçambicana contemporânea. Seus feitos, socialmente reconhecidos e reflexões públicas e privadas sobre a essência de dignidade da mulher, concorreram para que este blogojornalismo a pedisse, em entrevista, para debater sobre a sua incansável, porém

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Guebuza igual a Samora e Chissano em termos de discurso*

 Foto: Saharan vibe

- Combate à corrupção, ao deixa-andar e ao nepotismo são alguns dos denominadores comuns

Nos anos das independências africanas, Moçambique teve o seu primeiro governo de transição em 1974. O objectivo era que a administração colonial portuguesa passasse o poder político aos moçambicanos até o ano da independência nacional, que seria proclamada em 1975. Nesse período e nos anos subsequentes, o nacionalismo evidenciado pelos discursos sobre a mudança da estrutura política, económica, social e cultural, proferidos pelos líderes da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), ganharam terreno e
eco popular. Porém, não surtiram efeitos. Os governos pós-independência nacionais não conseguiram que suas pretensões de organização do sector público para o desenvolvimento se transformassem em realidade.

quarta-feira, 5 de agosto de 2009

General Chipande assume que dirigentes da Frelimo são combatentes da fortuna


Borges Nhamirre*
 
Foto:  noticias.pt.msn.com

Maputo (Canalmoz) – Ao afirmar que os dirigentes da Frelimo gozam do exclusivo direito de serem ricos, pelo facto de terem desencadeado a Luta de Libertação Nacional, que trouxe a Independência ao País, o general Alberto Chipande, estava a assumir o qualificativo atribuído aos libertadores africanos, pelo rapper moçambicano, Azagaia, de “combatentes da fortuna”.
Ao mesmo tempo, Chipande trouxe a nu, a ideologia dos actuais dirigentes da Frelimo, de acumular riqueza

Lourenço do Rosário: "Democracia sem desenvolvimento é um fraude"*



 Em entrevista exclusiva concedida recentemente à revista Democracia e Direitos Humanos, o Professor Lourenço do Rosário vincou que os intelectuais e académicos moçambicanos se limitam a receber instruções e orientações de modelos do Ocidente, que nada têm que ver com a nossa cultura de governação.
E diz: “duvido que os políticos e intelectuais conheçam, sob o ponto de vista teórico, os fundamentos da democracia que estamos a implantar”. Aliás, para o nosso entrevistado, “democracia sem desenvolvimento é uma fraude”.

quinta-feira, 30 de julho de 2009

Qual é o grau de reconhecimento dos direitos humanos em Moçambique?

Tal como aconteceu em vários países africanos, latino-americanos e europeus do leste, o Estado moçambicano reconheceu integralmente os direitos humanos, nos últimos 19 anos. Esse reconhecimento encontra-se instituído na Constituição da República de Moçambique, que inaugurou o sonhado Estado de Direito Democrático. Desta Constituição advieram novos e inúmeros dispositivos jurídicos, instituições democráticas e sociais, em virtude da nova fase nacional, cujos fundamentos éticos são - ou, no mínimo, deveriam ser - direitos humanos. Vale sublinhar que antes de ’90, Moçambique

terça-feira, 28 de julho de 2009

Qual é o Papel da Comunicação Social no Combate ao HIV/SIDA?*


O tema em apreço para este dia de Dezembro de 2007, cujo proponente é o Conselho Nacional de Combate ao HIV/SIDA - Núcleo da Cidade de Maputo, é complexo. Em Moçambique, as discussões sobre o mesmo não estão ampliados e sistemáticos. Vejo, isso sim, debates fragmentados e, nalgumas vezes, preconceituosos.

sábado, 11 de julho de 2009

A criança e o direito humano à cultura intelectual

Josué Bila*

Foto: bonsnegocios.com.pt

Um dos fermentos de um Estado de Direito Democrático e de uma sociedade livre é o direito humano à cultura intelectual, materializado aos cidadãos, independentemente da idade, género, cor de pele, orientação sexual, posição social, crença, filiação política ou outros atributos. Ao referir-se a idade, quer enfatizar-se que esse direito assiste extensivamente às crianças, porque detentoras, por excelência, de dignidade humana. Por isso, hoje, escalo este grupo infanto-social, para reflectir.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Direito de fixar residência: um panfleto constitucional ilusório?

Muitos leitores deste artigo terão lido, nalgum momento, a Constituição da República de Moçambique, ainda que diagonalmente. E, certamente, terão se interessado pelo ponto 1º do artigo 55º que institui o direito de os cidadãos fixarem residência em qualquer parte do território nacional.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

Ericino de Salema: Jornalismo ‘pão e manteiga’ descapitaliza direitos humanos

O jornalista moçambicano Ericino de Salema é o sétimo entrevistado no bantulândia, desde Abril último. A ciência teológica diz que sete é o algarismo da perfeição. Será que o entrevistado traz um debate perfeito sobre direitos humanos no jornalismo? Não quero teologizar e nem mitologizar algo, aqui. Apenas deixar Salema filosofar do que teologizar. Nas infralinhas, o entrevistado lembra que os jornalistas, na sua luta existencial pelas necessidades básicas de tipo ‘pão e manteiga’, acabam não deixando sobrar tempo de ler a Constituição da República de Moçambique e a Lei de Imprensa, para multifacetar abordagens, a exemplo de direitos humanos. Porém, sublinha: “Os jornalistas até desenvolvem o seu trabalho de forma razoável, geralmente falando. Do meu canto, noto que a qualidade do jornalismo está a melhorar; os profissionais de comunicação social procuram se formar... em jornalismo, sociologia, antropologia, economia, direito e até engenharia e farmácias”. Josué Bila é condutor da entrevista.

Bantulândia - Qual tem sido o papel dos jornalistas moçambicanos na defesa de direitos humanos?
Salema - Tem sido muito modesto, talvez por o tema direitos humanos não ser assim tão simples como às vezes erradamente se pensa. Em rigor, os jornalistas têm reportado acontecimentos sobre direitos humanos, não se assumindo, nisso, como activistas de direitos humanos; para sê-lo, não basta ser-se conhecedor dos critérios de noticiabilidade; conhecer a Constituição da República é, nisso, de capital importância. Mas isso ainda é um devir. É importante que o jornalista saiba que direitos humanos constituem um campo muito amplo da vida humana, somente possível em sociedade. É importante denunciar que o polícia A ou B atingiu mortalmente um cidadão indefeso, somente por este não lhe ter exibido o seu bilhete de identidade; é essencial, creio eu, questionar se um polícia que não tenha perfil para tal não será um atentado aos direitos humanos; se não será um atentado à dignidade humana o facto de os agentes da PRM andarem pelas ruas com armas de grande calibre; se o Estado é flexível na assumpção da responsabilidade pelos danos causados pelos seus agentes, sem, obviamente, prejuízo de regresso, conforme estabelece a Constituição da República; discutir direitos humanos é, pois, discutir direitos e/ou liberdades básicas de todos os seres humanos.
Bantulândia -Em Moçambique, é comum que os jornais cubram o baleamento mortal de um cidadão pela Polícia numa perspectiva de direitos humanos e dificilmente reportam uma simples falta de pão e manteiga num foco (de violação) de direitos humanos. Por que os jornalistas agem dessa forma?
Salema - A vida é, e sempre o será, o mais precioso ‘bem’ que se pode ter e de que se pode usufruir. Retirar a vida a outrem é, realmente, muito mais que grave. É comum, como bem dizes, os jornalistas se cingirem mais no baleamento mortal de um cidadão por um polícia, que no pão que existe porque disponível, mas que é inacessível à maioria. O meu amigo Edson da Luz, popularmente conhecido por Azagaia, diz numa das suas músicas que não sabe quem matou mais, ‘se a guerra ou a fome’; os jornalistas, não vivendo eles numa ilha social, acabam se guiando pela teoria de reconstrução social da realidade nos seus textos; isso significa que, nas suas estórias, está muitas vezes reflectido o seu ego, nem que eles não se apercebam disso; que eu saiba, nem sempre o próprio jornalista tem pão; se o tem, a manteiga deve ‘resistir sair’ das prateleiras dos supermercados.

Bantulândia - Porque é difícil encontrar, nos textos jornalísticos, referência aos instrumentos internacionais de direitos humanos?
Salema - Acho que a sua pergunta está a tentar levar-me para uma resposta que já tens construída no seu íntimo. Brincadeira! Deixa-me colocar aqui uma questão: não estará a exigir muita sofisticação ao jornalista moçambicano? Creio que, em lendo a Constituição da República e a Lei de Imprensa, é fácil o jornalista ver-me ‘mais aberto’ a outras abordagens. Mas não é o que sucede; esses dois instrumentos são muito acessíveis aos jornalistas, mas a luta pelo ‘pão e manteiga’ nem sempre faz sobrar tempo. Recentemente, fiquei a saber que uma pesquisa encomendada pelo Ministério da Justiça chegou à triste e penosa conclusão de que 90% dos juízes não tem Constituição da República nos seus gabinetes…os jornalistas até desenvolvem o seu trabalho de forma razoável, geralmente falando; para se ser especialista em direitos humanos, é crucial que se tenha alguma formação específica. Mas se nos esforçássemos, nós os jornalistas, em ler documentos como a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Com isso, ganhava, por exemplo, o debate sobre os direitos humanos…

Bantulândia - As questões ambientais, a exemplo do desmatamento de florestas, poluição de rios ou atmosférica, não figuram como direitos humanos. Que explicação?
Salema - Sabe, para que algumas coisas sejam ‘notícia’ ou ‘assunto’ é necessário que algumas questões básicas já não constituam problema. Ainda não somos assim tão sofisticados como país, daí que ainda estamos mais preocupados com as questões imediatamente existenciais, tipo quanto milho produzimos para não morrermos de fome; como podemos não nos limitar somente à produção, o que pressupõe uma preocupação pela produtividade; e por ai além. Como diria o outro, há questões que apenas dominam a agenda dos pós-materialistas.
Bantulândia - Por que há dificuldades de encontrarmos jornalistas decididos com os direitos humanos?
Salema - O problema da especialização atravessa vários ‘sectores’ do jornalismo, e não somente o dos direitos humanos. Temos jornalistas que escrevem sobre tudo e em diferentes formados. Às sete um jornalista pode estar a cobrir ocorrências policiais, para às nove estar na Presidência, a reportar a acreditação de um embaixador; três horas depois, o mesmo já está a cobrir uma conferência de imprensa de um partido qualquer, em que os temas são revolução verde, empreendedorismo, lei eleitoral, combate à pobreza, educação e desenvolvimento, e por ai além. As coisas são assim, quer gostemos ou não. Agora, a questão é saber como mudar o status quo!
Bantulândia - Que propostas avança para que os jornalistas possam contribuir para que os moçambicanos possam conhecer os seus direitos?
Salema - Ultimamente, como bem sabe, sou mais activista da liberdade de imprensa, de expressão e do direito à informação, que jornalista nos moldes tradicionais. Do meu canto, noto que a qualidade do jornalismo está a melhorar; os profissionais da comunicação social procuram se formar cada vez mais, o que é positivo; muitos se formam em jornalismo, mas temos os que fazem sociologia, antropologia, economia, direito e até engenharia e farmácias. Lendo atentamente os jornais, ouvindo a rádio e vendo a TV, nota-se facilmente que o jornalista é, hoje, cada vez mais voz dos que não têm voz. Creio que, pouco e pouco, a situação vai melhorando.

Bantulândia - Qual é o comportamento editorial quanto aos direitos humanos?
Salema - Confesso que ainda não me ative a essa questão. Mas creio que os editores não são aversos aos direitos humanos. Se o fossem, talvez estivessem noutras.

Bantulândia - Quem tem tomado a iniciativa de divulgar e discutir temas sobre direitos humanos reportados pelos jornais (sociedade civil, governo ou jornalistas)?
Salema - A sociedade civil e os jornalistas – ou os media, em termos mais precisos – acabam se destacando mais, talvez por o Estado ser o sujeito activo dos crimes de direitos humanos. À sua maneira, todos vão fazendo a sua parte. O ideal, creio eu, é que o tema direitos humanos seja capitalizado, pois sem eles jamais teríamos dignidade, liberdade, igualdade, fraternidade, aqueles valores todos cimentados pela Revolução Francesa de 1789.

Bantulândia - Qual tem sido o incipiente contributo do jornalismo investigativo em relação às políticas públicas?
Salema - Não sei se estou certo, mas esta pergunta me parece arregimentadora. Seja como for, a falta de acompanhamento é o maior problema na cobertura da implementação de políticas públicas no país; foi noticiado, há anos, que um ministro da Educação desviou dinheiro para financiar os estudos dos seus filhos no estrangeiro, mas ninguém conhece o desfecho desse caso; numa altura em que o discurso do poder político é dominado pela ‘revolução verde’, nada se reporta sobre o PROAGRI; há três/quatro anos, falou-se de corrupção na reabilitação do edifício da PIC na cidade de Maputo, mas o assunto parece ter ‘morrido de morte matada’; e tanta outra coisa.
Bantulândia - A luta pelos direitos humanos está mais vinculada à sociedade civil. Em que momento o governo vai assumir a postura de também lutar por eles?
Salema - Creio que o governo responderia melhor a esta questão. Olha que, nos dias 29 e 30 de Junho passado, realizou-se aqui em Maputo uma conferência internacional sobre o Estatuto de Roma, que criou, em 2002, o Tribunal Penal Internacional. O nosso governo subscreveu o documento em 2000, mas, passados nove anos, ainda não o ratificou. Intervindo nessa conferência, a ministra da Justiça, Benvinda Levy, somente falou de “esforços” que estão a ser desenvolvidos para tal, não tendo dado prazos. Isto mostra que eu sou muito incompetente para dizer quando “o governo vai assumir a postura de também lutar pelos direitos humanos”…
Ericino de Salema é jornalista-editor mocambicano. Actualmente presta o seu saber no MISA-Mocambique.

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Estimados leitores do bantulândia,
Se lhes convier, mandem comentários pelo blog e não pelo meu e-mail, como tem sido hábito de muitos. Penso, sem medo de errar, que o fluxo de debate pode ser maior através do blog, porque público. O e-mail, como bem sabem, é restrito.
Obrigado pela compreensão.
Josué Bila
São Paulo, 6 de Julho de 2009
NB. O conteúdo da supra-entrevista é similar à infra.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

Arão Valoi: “Jornalismo moçambicano não está orientado para direitos humanos”

Mais um intelectual moçambicano é entrevistado no bantulândia. Trata-se do jovem jornalista Arão Valoi*. Em apenas oito anos de carreira, ganhou três prémios jornalísticos. Um dos mais recentes é o Prémio de Melhor Reportagem sobre Direitos Humanos promovido pelo Instituto Marques do Valle Flor, em parceria com a União Europeia e o Sindicato Nacional de Jornalistas. Actualmente, presta o seu saber na Organização Internacional de Migração. Nesta entrevista, Valoi fala sobre o (não) contributo dos média moçambicanos na defesa dos direitos humanos. Num dos pontos, ele lembra que há jornalistas que não sabem da existência de instrumentos internacionais de direitos humanos. Josué Bila conduziu a entrevista.


Bantulândia -
Qual tem sido o papel dos jornalistas moçambicanos na defesa de direitos humanos?

Valoi - Olha, em geral, os jornalistas moçambicanos têm contribuido muito pouco para a defesa dos direitos humanos, embora haja algum esforço individual em fazer denúncias sobre a sua violação. Essa fraca contribuição acontece devido a vários factores conjugados, sendo de destacar a falta de uma cobertura mais qualificada sobre temas de direitos humanos. A cobertura mediática qualificada encerra em si muitos aspectos. Refere-se, por exemplo, à formação ou capacitação em direitos humanos e depois a especialização sobre esse tema, o que ainda não acontece em Moçambique. Na verdade, a falta dessa qualificação acaba reduzindo de forma substancial o papel que os jornalistas, como agentes de mudança, deveriam ter na promoção e defesa dos direitos humanos, na sua visão universal e multidisciplinar. Mas também podemos ver essa questão na perspectiva da “importância” que os Media em Moçambique dão a assuntos ligados a direitos humanos. Normalmente, o que interessa aos media é o que, segundo eles, vende e rende e o que dá mais audiência. Nesse fenómeno, que uns o apelidam de sensacionalismo e o jornalista brasileiro José Arbex Jr.(2001) chama de showrnalismo, os factos são transformados em mercadoria, custe o que custar. Isto pode se aliar ao facto de a sociedade moçambicana, em geral, pouco escolarizada, alimentar este tipo de notícias, de tal forma que é o que mais se consome. Note que em Moçambique, uma falsa notícia, na capa de um jornal, sobre a recaptura de Anibalzinho (um dos criminosos mais mediáticos) pode vender mais do que uma verdade. Em oposição, também na capa, uma notícia sobre a falta de água, em Massangena (província de Gaza), não vende. É um pouco disto que, quanto a mim, faz desvirtuar o sentido do jornalismo ético.

Bantulândia - Por que é comum que os jornais cubram o baleamento mortal de um cidadão pela Polícia numa perspectiva de direitos humanos e dificilmente reportam uma simples falta de pão e manteiga num foco (de violação) de direitos humanos. Porquê?

Valoi - Essa limitação da visão global dos direitos humanos resulta dessa falta de formação e especialização. Não gosto muito deste termo “especialização” para a realidade jornalística moçambicana, e já mostrei as razões pelas quais não me simpatizo, em debate público, mas a verdade é que a sua falta acaba tendo implicações em certas áreas do saber, nomeadamente em direitos humanos, em economia e negócios e outros domínios. Note que o tratamento que se dá à violência, por exemplo, reduz-se pura e simplesmente a crimes, atentados e relatórios de homicídios normalmente facultados pela PRM. Não existe uma abordagem estrutural e globalizante dos direitos humanos e é natural que a falta de acesso à água potável, de pão ou de sal seja visto nessa perspectiva. Note que não faltam notícias sobre fome nos media, mas a abordagem feita não está nunca orientada para a questão de direitos, mas simplesmente de factos e nunca se fala da responsabilização a quem de direito pela violação desses direitos. O jornalismo moçambicano não está orientado para direitos humanos. O que falta no jornalismo moçambicano, na verdade, é discutir políticas públicas e tentar influenciar que a questão de direitos humanos seja sempre incorporada na agenda governamental. Para mim, há, nos media moçambicanos, uma ausência de reflexão mais consistente sobre o processo de formulação e implementação das políticas e a consciência de que os jornalistas podem fazer algo para alterar certo establishment e, os direitos humanos, estando hoje em primeiro plano na agenda internacional, deviam ser objecto de análise, reflexão e acompanhamento sistemático por parte da imprensa.

Bantulândia -
Por que é difícil encontrar, nos textos jornalísticos, referência dos instrumentos (inter)nacionais de direitos humanos?

Valoi - É uma situação caricata, mas acho que alguns, repito, alguns dos jornalistas nem se quer tem o conhecimento da existência desses instrumentos ou se, pelo menos sabem da sua existência, poucas vezes os revisitaram. Mas também há jornalistas em Moçambique que se esforçam em fazer algo diferente, de tal forma que não é correcto estar sempre a desdenhar deles quando tentam fazer coisas boas. Até porque há em Moçambique, cada vez maior número de jornalistas que se estão a formar nas diferentes universidades do País, o que já é um sinal positivo. A leitura de livros e a consulta de certos instrumentos legais nacionais e internacionais é muito bom do ponto de vista de diversificação das fontes de informação e do enriquecimento do próprio trabalho jornalístico. Mas infelizmente, não existe, em geral, esse hábito por parte dos jornalistas moçambicanos e limitam-se ao “diz-se diz-se”, característico da formulação sensacionalista do jornalismo. A referência a instrumentos (inter) nacionais de direitos humanos requer também uma nova postura epistemiológica por parte dos jornalistas moçambicanos, requer uma reconfiguração da linguagem que, de forma específica, organiza as questões internacionais de acordo com os processos de globalização. Eu tenho dito que a própria forma de fazer jornalismo em Moçambique continua conservadora, agarrada ao que as tradicionais teorias de jornalismo ensinam, limitando-se, por assim dizer, ao que a fonte disse e nada mais. É uma formulação de “responsabilização” que tenta retirar o papel do jornalista como actor importante na produção da informação ou como um sujeito pensante e activo. Se a fonte não citou nenhum dispositivo legal, ao jornalista não resta mais nada do que reproduzir o que a fonte disse, sem nenhum trabalho visando o enriquecimento das informações colhidas. Também ao organizar as perguntas para uma entrevista programada, o jornalista não “vasculha” nenhum livro ou lei, não lê e vai ter com o entrevistado para “perguntar” e assim poder aprender e não para “entrevistar” e confrontar com ele certos conhecimentos. Tenho dito que em Moçambique, são poucos os jornalistas que fazem entrevistas, muitos fazem perguntas. A entrevista é, normalmente, uma confrontação entre o entrevistador e o entrevistado e isso implica que, no caso vertente de direitos humanos, o jornalista tenha um mínimo conhecimento da matéria que vai abordar. Se for para perguntar, terá de se contentar com o consumo da ordem estabelecida e transformar-se-à em caixa de ressonância.

Bantulândia -
As questões ambientais, a exemplo do desmantamento de florestas e a poluição de rios ou atmosférica, não figuram, de um modo geral, como direitos humanos. Que tem a dizer sobre isso?

Valoi - Ao notar esta falta de abordagens sobre questões ambientais no jornalismo, o MISA Moçambique, juntamente com os seus parceiros, tem promovido prémios anuais de jornalismo, e uma das categorias é sobre o meio ambiente. Nos últimos dias e, motivados por esse prémio ou incentivo, alguns jornalistas tem escrito algo sobre questões ambientais, mas mais uma vez, não numa perspectiva de direitos humanos. Também sobre desmatação e poluição tem havido artigos jornalísticos interessantes, mas em geral carecem dessa orientação. Eles são feitos numa perspectiva de denúncia, mas não em termos do impacto que isso tem para as comunidades ou populações locais como sujeitos com certos direitos, como o direito à vida, por exemplo, fixado no artigo 3 da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 e nas constituições nacionais. Ora, uma interpretação imediata a esse postulado dá a entender que quando se diz “vida” incluí-se o meio ambiente equilibrado, pois, esta é uma das condições essenciais à existência da vida em toda a sua plenitude e formas.

Bantulândia -
Por que há dificuldades de encontrarmos jornalistas decididos e empenhados com os direitos humanos?

Valoi - Esta é uma pergunta muito difícil porque encerra motivações de ordem pessoal, mais também institucionais. Na minha modesta opinião, é preciso que haja vontade por parte do jornalista em dedicar, não diria exclusivamente porque em Moçambique isso é impossível no cenário actual, parte considerável do seu tempo a pesquisas sobre direitos humanos. Isso já seria um princípio para a especialização de que tanto se fala. Mas é preciso que os media tenham coragem de assumir esta pessoa que nem sempre irá produzir notícias. Uma das questões que tenho defendido é que a falta de especialização e, consequentemente, de um jornalismo investigativo em Moçambique, seja sobre direitos humanos ou outras áreas, deriva também da falta de disponibilidade de tempo para os jornalistas fazerem a investigação. Os chefes de redacção ainda não estão habituados em ver um repórter ficar duas semanas sem publicar um artigo, por mais que esteja envolvido numa investigação. Acusam-no de improdutividade e, cedo, ele terá de abortar a investigação e serví-la crua aos leitores por pressões institucionais e por medo de perder o seu emprego. Isso é comum nos media em Moçambique. Por isso, a mudança não deverá ser só por parte dos jornalistas, em termos individuais (formação, leitura e mais pesquisa) mas também deverá operar-se mudanças substanciais na filosofia do trabalho a nível institucional.

Bantulândia -
Que propostas os jornalistas poderiam contribuir para que os moçambicanos possam conhecer os seus direitos?

Valoi - Apesar de o cenário ser algo negativo, acho que tem havido algum despontar por parte de alguns media em elevar cada vez mais a consciência dos moçambicanos no tocante aos seus direitos. Tenho tido o prazer de ver várias notícias nos nossos órgãos de comunicação social que reportam situações que contribuem para a elevação da consciência dos moçambicanos e isso é muito importante porque, em Moçambique, as pessoas acreditam muito nos media. Estes são instrumentos importantes para a mudança de comportamento e acho que tem conseguido. A sugestão que daria era que cada um dos órgãos tivesse um espaço um tempo de antena dedicado exclusivamente a direitos humanos e que certos jornalistas escolhidos internamente fossem orientados para esta área. Era bom se isto acontecesse. Mas também pode partir da iniciativa do próprio jornalista, apresentando uma proposta ao seu superior hierárquico, com argumentos sólidos e convicentes.

Bantulândia -
Quem tem tomado a inicitiva de divulgar e discutir temas sobre direitos humanos reportados pelos jornais (sociedade civil, governo ou jornalistas)?

Valoi - Acho que os jornalistas e a sociedade civil, em termos de organizações não governamentais e representações religiosas. O Governo tem intervido muito pouco, excepto em casos em que por iniciativa dos jornalistas, aparece a dar esclarecimento de certas situações. Pessoalmente, acho que a dimensão do debate sobre direitos humanos em Moçambique é, por si, um incómodo ao Governo, uma vez ser ele próprio possuidor de uma máquina de repressão e violação sistemática de direitos humanos, ao mesmo tempo que seus executivos pouco conseguem dar seguimento à satisfação plena dos direitos económicos, sociais, ambientais e políticos aos cidadãos, em geral. As políticas governamentais falham em muitos aspectos, deixando as populações sem nenhum garante ou preservação dos seus direitos.

*Arão Valoi é jornalista moçambicano desde 2001. Formou-se na Escola de Jornalismo, em Maputo, de 1999 a 2002, tendo logo de seguida ingressado no Instituto Superior de Relações Internacionais (ISRI) onde fez o curso de licenciatura em Administração Pública, tendo concluído em 2006. Já trabalhou para vários órgãos de comunicação social, desde os media audio-visuais até à imprensa escrita. Em 2007, quando coordenava o suplemento económico do semanário Meianoite, sagrou-se vencedor do Prémio de Melhor Jornalista Africano da CNN/Multichoice, categoria da lingua portuguesa. Nos finais de 2008 ganhou novamente mais dois prémios, nomeadamente o Prémio Ian Christie para Melhor Reportagem Económica, promovido pela Vodacom em parceria com o SNJ e o Prémio de Melhor Reportagem sobre Direitos Humanos promovido pelo Instituto Marques do Valle Flor em parceria com a União Europeia e o SNJ. Actualmente é jornalista freelancer, estando também a trabalhar para a Organização Internacional para as Migrações (OIM), em Maputo. É um dos membros-fundadores da Associação Moçambicana de Jornalistas Pró-direitos Humanos e Cidadania.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Indústria moçambicana de privilégios

O Mecanismo Africano de Revisão de Pares (órgão da União Africana) rebateu recentemente que, em Moçambique, os índices de exclusão social são expressivos, confirmando, assim, o estado de miséria, fome e pobreza a que muitos nacionais se encontram mergulhados. A exclusão social, miséria, fome e pobreza traduzem o óbvio: ausência de direitos humanos.

A exclusão social, a pobreza, a fome e a miséria são das mazelas de que, ontem e hoje, os moçambicanos padecem, em virtude dos processos produtores de desigualdades económicas, sociais, políticas e até culturais, se tomarmos cultura em dimensão de bens de literatura escrita, artes de racionalidade urbana e não só.

Ontem, padecíamos de mazelas, porque até 1975, vivíamos sob domínio da administração colonial portuguesa, não que o colonialismo tivesse sido responsável único de nossa penúria. Contudo, suas acções contra a população nativa moçambicana foram antónimas à ética em direitos humanos. Hoje, sob o governo da FRELIMO, continuamos com mazelas porque a sorte político-ideológica e social tem sido nossa madrasta e o pai governamental é apenas biológico, furtando-se dos seus deveres sociais. Tanto um quanto outro produziram processos de desigualdade no acesso ao Poder, quer político, quer económico, quer financeiro, quer social, quer cultural, abrindo espaços para a instalação daquilo que chamo de indústria moçambicana de privilégios.

Em Moçambique pós-independente, a indústria moçambicana de privilégios resultou na concentração de poder, riqueza, recursos, renda, capital social e cultural, que se arrasta por dezenas de anos, em razão do arrogante controle político e económico exercido pelas elites nacionais. O filósofo moçambicano Brazão Mazula sublinha, em seus escritos, que as elites nacionais, depois da Independência Nacional em 1975, foram se constituindo no aparelho de Estado e no partido governamental, na base de privilégios políticos e económicos em relação ao conjunto da sociedade.

Nos finais da década de ’90, Moçambique adoptou o famoso Programa de Reabilitação Económica, dando início à economia de mercado. Este é dos períodos em que se verificou que o governo da FRELIMO permitiu, em grande medida, que uma minoria privilegiada tivesse riqueza ostensiva e não criada na base de trabalho e honestidade.

Em 1990, o antigo Primeiro-Ministro, Mário Machungo, entrevistado pela revista Tempo, assinalou a grande onda de desvios de riqueza nacional para caprichos de nepotismo, privilégio e ostentação exagerada e grosseira da tal minoria, revelando, ao que tudo indica, as elites do partido governamental, FRELIMO, a que ele pertence.

Machungo frisou ainda que certos grupos ou indivíduos do meio político e económico ostentam, nas grandes cidades, uma riqueza requintada de Primeiro Mundo, inexplicável à situação económica do país.

Por a indústria moçambicana de privilégios for, em grande parte, a base de acesso ao Poder, recursos e bens, a multinacional ética de direitos humanos e políticas públicas fica adiada, prejudicada e pisoteada pelos detentores do Poder. Por isso que verificamos, em todos os cantos, a miséria, fome e exclusão social que neutralizam os sonhos sociais e privam as pessoas de “mastigarem” oportunidades sociais, políticas, civis, económicas a que têm direito. De igual modo, processos há que não podem ser deixados de fora na avaliação dos produtores de desigualdades: os ventos do neoliberalismo, globalismos predatórios e outros “ismos” similares e muitos problemas internos existem sob o descontrolo dos detentores de Poder.

As mazelas sociais – pobreza, fome, miséria e exclusão – constituem por si a negação de direitos. A negação de direitos é incapaz de abrir e expandir espaços de acesso aos bens sociais, económicas, políticas e culturais, privando que os moçambicanos possam viver de modo digno.

Depois dessa descrição, resta repetir que em nosso meio o que causa a exclusão social, miséria, fome e pobreza são os processos produtores de desigualdade social e não necessariamente a falta de recursos, tal como apontado no meu texto Como Moçambique pode materializar direitos humanos?, publicado aqui http://www.conectasur.org/index.php?page=mural&not_id=1570 e hoje no bantulândia. Moçambique tem recursos, mas estão mal distribuídos, por um lado. Por outro, recursos humanos e materiais há que não estão sendo produzidos, por a sua existência e consequente distribuição aos beneficiários de direitos humanos e políticas públicas não interessar a quem detém o Poder.

Uma das medidas para a superação das quatro mazelas relacionadas – exclusão social, miséria, fome e pobreza – é a via Política, porque é onde as relações de Poder se realizam. Igualmente, na Política é discutido os critérios para a (não) distribuição equitativa de bens e recursos, por isso o apelo a maior consciência e prática de cidadania, ainda que a níveis primários, é tão cadente quanto premente.

Por assim dizer, Moçambique tem muitos desafios pela frente. O primeiro é a disposição política de que as autoridades do Estado devem ter para que se orientem na base de directrizes constitucionais. Segundo, as autoridades do Estado, ao se orientarem de directrizes constitucionais, poderão reacender a esperança de os moçambicanos - pobres e socialmente excluídos - terem acesso aos recursos de que a indústria de privilégios permite exclusivamente ter. Terceiro, as autoridades do Estado precisam erguer políticas públicas focalizadas em direitos humanos. Quarto, é necessário que se resguardem os valores de cidadania, abrindo cada vez mais espaços de ética democrática e de justiça social, através da participação dos cidadãos nas decisões nacionais e na satisfação processual e integral de seus direitos. Quinto, traçar políticas públicas erguidas sob a inspiração ética de direitos humanos, a médio e longo prazos.

Estas propostas todas não serão certamente realizadas em apenas um só período como se políticas públicas e direitos humanos fossem única e exclusiva época chuvosa. É necessário que sejam implementados progressivamente. Porém, é necessário que as autoridades do Estado sejam flexíveis, porque, neste momento, centenas de crianças moçambicanas estão perdendo vida por causa da fome e cuidados de saúde; centenas de mulheres escalando a morte por causa da falta de ambulância e enfermeiro no lugar mais próximo possível; milhares de moçambicanos morrendo, por causa da malária; milhares de famílias passando fome crónica; milhares no desemprego; milhares, não participando na vida política, por causa de exclusão político-ideológica e frustração em virtude de as promessas eleitorais não terem sido cumpridas; milhares, não votando porque suas expectativas sociais foram frustradas; milhares, fugindo do País por falta de oportunidades de emprego, liberdade intelectual/académica e participar da cidadania efectiva; milhares de crianças estão tendo má qualidade de educação e em péssimas qualidades pedagógicas e infra-estruturais; milhares, em tudo quanto chamo de mazelas sociais.

É preciso remover a indústria moçambicana de privilégios, dando oportunidades sociais, económicas, culturais e políticas aos moçambicanos, em nome de direitos humanos.

Josué Bila
São Paulo, 11 de Junho de 2009

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Como Moçambique pode materializar direitos humanos?*


A fragilização do Estado-nação
pode acarretar consigo a fragilização dos direitos humanos
- Boaventura de Sousa Santos

A forma como as autoridades governamentais moçambicanas menosprezam os direitos humanos é semelhante aos pais biológicos que abandonam os seus filhos, gastando o seu tempo e dinheiro em boates, bebedices e prostituição, ignorando a alta ética paterna: educar os filhos e investir em sua vida social e estudantil, para cimentar uma posteridade digna e qualitativa... Como tornar que as frutas de direitos humanos façam parte do cardápio social dos moçambicanos, enquanto família nacional? Longe de dar respostas conclusivas, o texto trilha por um caminho exorcista do direito à fala, usando o verbo, o substantivo e o adjectivo, para se expressar, interpelar, indagar e propor.

I
Uma das árvores contemporâneas que tenta produzir frutas de direitos humanos em Moçambique é a sua Constituição, cuja semente foi lançada em Novembro de 1990, por um parlamento de cariz monopartidário, definitivamente enterrado em 1994. Então, como tornar que as frutas de direitos humanos façam parte do cardápio social dos moçambicanos, enquanto família nacional?

Ora, desde 1990, os direitos humanos ganharam status jurídico-constitucional, legítimo e social. Status jurídico-constitucional porque os direitos humanos se encontram plasmados na Constituição da República de Moçambique e nas demais leis locais, para além de que o País vai ratificando paulatinamente um cada vez maior número de instrumentos internacionais de direitos humanos. Com isso, o País, ainda que titubeante, começa a inspirar-se nos requisitos contemporâneos de estar-ser-viver no mundo: cobrir-se pelo véu de direitos humanos. Status legítimo porque os direitos humanos começam a fazer parte das suas acções e do seu vocabulário nas relações interinstitucionais, ainda que na escala um pouco depois do zero. E social porque a sua linguagem, valor e efectividade são paulatinamente compreendidos e garantidos, como padrões éticos do Homem e de Moçambique contemporâneos.
II
Posso tomar como exemplo do ganho de status jurídico-constitucional, legítimo e social, as consecutivas três eleições presidenciais e parlamentares e duas municipais (esperamos também as provinciais), parlamento multipartidário, Tribunal Constitucional, Conselho de Estado, liberdades civis e políticas, ratificação de instrumentos internacionais e regionais de direitos humanos, ampliação do reconhecimento de igualdade entre homens e mulheres, ampliação da rede escolar e sanitária e demais direitos, para além do surgimento de organizações de direitos humanos e defensores liberais de justiça social.

Porém, a insatisfação quanto ao funcionamento desses institutos, a frustrante resposta política e social do voto, a fome generalizada de que milhares de famílias são vítimas, a escassez e a má prestação do direito à saúde, a má qualidade de educação, o recente chumbo da Lei que cria a Comissão Nacional de Direitos Humanos, pelo Conselho Constitucional, a morte de dezenas de cidadãos nas mãos da Polícia ou nas cadeias, o desemprego, a existência elitizada do Fundo de Fomento à Habitação e o consequente parque habitacional precário, o limitado acesso à energia eléctrica, o desmazelo de vida rural e urbana, a histórica manifestação de 5 de Fevereiro de 2008, a limitada rede viária e de pontes, a insegurança pública, a popularizada exclusão social, a nudez econômica, técnica e tecnológica e as multiplicadas e visíveis mazelas nacionais corroem os sonhos éticos de direitos humanos.

Independentemente das mazelas supramencionadas, próximo ano, não há como os moçambicanos não comemorarem os 20 anos de constitucionalidade de direitos humanos, abertamente instituída, provando que são orgulhosos de suas lutas e conquistas, não obstante serem alvos de açambarcadores e parasitas sociais, que indistinguem materialização de direitos humanos de actividades filantrópicos e assistencialismo. Volto a este ponto um pouco abaixo.
III
Como tornar que as frutas de direitos humanos façam parte do cardápio social dos moçambicanos, enquanto família nacional? Antes de avançar com propostas, melhor debater as causas fundamentais que impedem que os moçambicanos se deliciem de frutas de direitos humanos, tão deliciosas quanto o vinho romântico, em meio aos pomares verdejantes e produtivos.

Já que o propósito inicial é arrolar as causas fundamentais que impedem que os direitos humanos se efectivem com a devida normalidade, não é possível não apontar o óbvio: parte considerável de políticas e actividades nacionais ainda são executadas em resposta à ideologia político-eleitoral e ao cumprimento das metas quantitativistas em áreas sectoriais e não como acções de direitos humanos. Esta é uma das razões por que a insatisfação popular quanto ao desenvolvimento social é denunciada, conhecida e expressa na vida da maioria dos moçambicanos. O Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta (PARPA) e os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) são notabilíssimos exemplos que mostram o quão distante é o planificado do realizado. Embora a matriz internacional dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio indicasse a garantia de direitos humanos básicos, com o apoio moral e financeiro da chamada comunidade internacional, caiu na desgraça quantitativista e dinamizou alguma demagogia estéril, tal como o PARPA.

Paralelamente, existe um compromisso político-governamental baixo, comportamento governamental assistencialista e filantrópica alto, incumprimento das recomendações do Tribunal Administrativo quanto ao uso transparente de fundos, hibernação e ronco parlamentar bizarro, independência Judiciária casual, superficial conhecimento de direitos humanos no Judiciário, população-habitante, sem compromisso histórico com a cidadania, e relações bilaterais hegemónicas. Estas e outras questões estão interligadas, razão pela qual é difícil e ilusório debatê-las separadamente. Além disso, discutir a causa de violação de direitos humanos é, mesmo que inconsciente, expor alguma matriz ideológica a respeito de como os direitos humanos são violados ou implementados pela máquina estatal.

A título exemplificativo, o baixíssimo combate à grande corrupção e a negligência para com o cumprimento das recomendações do Tribunal Administrativo está ligado à resistência arrogante de homens e mulheres com laços históricos e ideológicos fortes. De igual modo, a resistência à luta contra a grande corrupção e intransparência no uso do dinheiro público pode ser promovido por Homens cujos privilégios político-ideológicos e económico-empresáriais estejam ameaçados. Por isso, o combate à corrupção desafia privilégios dos poderosos político-ideológicos e económico-empresariais dentro da sociedade moçambicana e força o cumprimento das leis e da ética pública, podendo obrigar a que os produtos materiais e financeiros da corrupção retornem aos seus legítimos destinatários: os moçambicanos.

Reparem que, no caso moçambicano, a criação de instituições e legislação anticorrupção reflete concepções ideológicas equivocadas sobre como o Estado deve funcionar. Quem toma a iniciativa de criação desses institutos e quem faz parte deles? A criação dessas instituições irá satisfazer interesses do Estado, enquanto família nacional, ou dos poderosos, enquanto um grupo de troca de favores, em meio aos acólitos-aduladores, que sempre surgem para acobertar as injustiças sociais e o marasmo histórico no qual o país se encontra.

Fazer fé hesitante às informações segundo as quais o país tem recursos humanos, materiais, financeiros escassos, é comum. Mesmo que essa fé seja hesitante, é, no mínimo, inquestionável que a escassez desses recursos crie, em si, barreiras na implementação de direitos humanos, numa visão de políticas públicas. Porém, a falta de priorização na alocação de recursos em determinadas áreas sociais deixa claro o macro-desinteresse do Governo para com os direitos humanos e políticas públicas. Então, há um outro problema que surge, agora: podemos ter recursos materiais e financeiros digamos abastados, mas, se, paralelamente, não tivermos recursos humanos éticos, continuaremos a ser um país-marasmo. O exemplo da mercedização dos ministérios e dos altíssimos salários dos presidentes dos Conselhos de Administração de Empresas Públicas e a alocação de altas verbas para Serviços Secretos em detrimento do desenvolvimento rural (escolas, centros de saúde, pontes, estradas, energia, alimentos, agricultura de subsistência, comercial-industrial-pecuária...) pode estar a expor a priorização ideológica das áreas a investir e a denunciar a falta de recursos humanos éticos. Nestas condições de priorização sectorial ideológica, é muito difícil que os direitos humanos se efectivem. Assim, a forma como as autoridades governamentais moçambicanas menosprezam os direitos humanos é semelhante aos pais biológicos que abandonam os seus filhos, gastando o seu tempo e dinheiro em boates, bebedices e prostituição, ignorando a alta ética paterna: educar os filhos e investir em sua vida social e estudantil, para cimentar uma posteridade digna e qualitativa.

Ao prestar atenção nas actividades governamentais, há como apontar que existe, no meio dos altos servidores públicos, uma indistinção entre implementar direitos humanos das acções assistencialistas e ou filantrópicas, que caracterizam as organizações da sociedade civil. Ilustração: Em Moçambique, é escassa a responsabilidade de ética pública de o governo construir uma unidade sanitária num determinado distrito, em resposta à dignidade humana de a população local usufruir o direito humano à saúde. Não raras vezes, verifica-se que a construção de tal unidade sanitária funda-se numa racionalidade filantrópica ou assistencialista e não como uma obrigação de o Governo garantir o direito humano à saúde. Na eventualidade de um servidor público marcar presença para a inauguração daquele empreendimento sanitário, diz, sem a mínima vergonha, que o Governo está a “ajudar” e nunca afirma que é “obrigação” do mesmo criar mecanismos para a materialização do direito humano à saúde. Há, sim, diferença extrema entre uma ajuda e uma obrigação.

Acresce-se ainda que as relações bilaterais entre Moçambique e países poderosos são extremamente desumanas e desequilibradas. O exemplo da China é emergente. Desumanas porque os acordos de cooperação têm beneficiado, em larga escala, a China do que Moçambique. O Governo chinês quando entra num acordo de cooperação com Moçambique tem em vista desenvolver o seu país, alargando, a todo custo, os seus níveis de desenvolvimento e integração internacional, em meio aos vícios e resquícios da Guerra Fria. E nessa cooperação tira maiores vantagens, uma vez que o que retira de matérias-primas e recursos naturais em Moçambique não compensa em nada com o que supostamente retribui em investimentos sociais. Infelizmente, o Governo moçambicano - e suas redes clientelistas – entra em relações bilaterais não necessariamente para o benefício primário dos moçambicanos, mas, sim, para pessoas ligadas a ele. Estas relações são um grande perigo para os projectos de direitos humanos. Por isso, nunca devemos refletir sobre direitos humanos sem questionar as relações bilaterais e de cooperação internacional entre países poderosos e não-poderosos, porque embora sejam indispensáveis para os Estados e povos são desequilibradas.

Na verdade, estas relações bilaterais em que os direitos humanos não são princípios prevalecentes e orientadores de políticas bilaterais dos Estados criam ruptura na concepção segundo a qual os direitos humanos constituem preocupação legítima da comunidade internacional.

Outrossim, há um outro lado da moeda: a Organização das Nações Unidas (ONU) ainda não ganhou uma respeitabilidade internacional privilegiada no mundo, para a concretização de direitos humanos. A ONU mostra-se fraco para fazer cumprir as suas determinações, em meio aos interesses ideológicos, geo-políticos e económicos de alguns países. Para a desgraça do mundo, ainda há países que, à sombra do seu poderio económico, tecnológico, militar, político e até religioso-cultural, amputam os anseios de alguns povos de viverem num lar mundial de paz social. Aliás, mesmo países como Moçambique, sem uma expressão vigorosa e conhecida no mundo, não raras vezes, menosprezam as determinações da ONU, por esta ter uma liderança titubeante, no que concerne aos problemas que afectam o mundo actual. Termino esta secção III, com uma pergunta: Por que as decisões da Federação Internacional de Futebol (FIFA), independentemente de quem seja o visado, são mais cumpridas do que as da ONU?
IV
Uma vez discutidos os empecilhos que retardam o usufruto sistemático de direitos humanos, termino com o óbvio:
- É urgente e obrigatório que o Governo cumpra o estipulado na Constituição da República de Moçambique sobre direitos humanos;
- O ordenamento jurídico-constitucional, instituído em 1990, deve ser um imperativo a nortear o respeito à dignidade humana dos moçambicanos;
- Necessidade de desenho de um Programa Nacional de Direitos Humanos, com viés de política pública;
- Necessidade da ética pública e independência dos três poderes: Governamental, Parlamentar e Judicial;
- Governo deve satisfazer direitos humanos, reduzindo actividades assistencialistas e filantrópicas;
- Necessidade de ampliação de interacção entre o Governo e Sociedade Civil; e
Moçambique deve manter acordos de cooperação que visem o seu desenvolvimento, priorizando direitos humanos.

*Agradeço a OSISA, Conectas Direitos Humanos – São Paulo, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Centro de Direitos Humanos – RN-Natal, revista caros amigos (2006), Conselho Cristão de Moçambique, Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, Jornal ZAMBEZE, Leopoldo de Amaral, Daniela Ikawa, Flávia Piovesan, Júlia, Lúcia Nader, Juana, Roberto Monte, Tito Macie, Clotilde Malate, Jaime Chivite, Alcino Moiane, Antonino Condorelli, pelo apoio moral, académico e financeiro, para que pudesse aprender e ganhar experiências sobre direitos humanos. Sem estas instituições e pessoas, não poderia ter a mínima coragem para produzir textos sobre direitos humanos. Também, caso não agradecesse aos meus preciosíssimos pais, Julião e Francisca, e meus indispensáveis irmãos, David, Elina, Timóteo, Lucília, Samuel e Gabriel, resvalaria na ingratidão que bradasse aos céus, o que constituiria um gravíssimo erro existencial. Sou grato a todos. Continuo ainda no exílio...

*Josué Bila. Artigo originalmente publicado no jornal moçambicano ZAMBEZE, 7 de Maio de 2009, pag 14, nr 346, ano VII.
http://www.conectasur.org/index.php?page=mural&not_id=1570

sábado, 16 de maio de 2009

Silas Grecco propõe educação em direitos humanos para a globalização solidária

Silas Grecco* é jovem com lucidez intelectual contemporânea. Dá para escutá-lo a questionar sobre a globalização, ONU e não só. Brasileiro e defensor de direitos humanos. Sonhador de um mundo justo. Tenciona em trabalhar como voluntário em um dos países africanos. Moçambique é um deles, basta-lhe a oportunidade. Em entrevista conduzida por Josué Bila, o blog bantulândia captou os seus argumentos, aqui, em São Paulo, Brasil.

Bantulândia - O professor norte-americano, Richard Falk, no seu livro Globalização Predatória (1999), propõe que a globalização possa ser transformada a fim de melhor servir os interesses dos povos do mundo. Como transformar esse pensamento em realidade, na defesa de direitos humanos dos povos do mundo?
Grecco - Não creio que seja possível transformar o carácter neocolonialista que existe na globalização tecnocrata. Transformar a globalização em prol dos Direitos Humanos daria origem a um novo fenômeno, talvez uma revolução ética muito improvável de acontecer, que com semelhanças do renascimento e do iluminismo, traria de volta valores humanos cívicos, retomaria a noção de Direito Natural tão repelida, faria a cidade menos heterônoma, diminuiria o sentimento de auto-suficiência dos cidadãos e traria a interdependência cooperacional, inclusive com a própria biosfera. Se para Rousseau a sociedade corrompe o homem, hoje eu substituiria sociedade por globalização.

Bantulândia -Uma observação, até menos atenta, indica que, no mundo actual, a compreensão e a implementação internacional dos direitos humanos é fraca para elevar as condições de vida dos excluidos, espalhados pelo mundo, particulamente no Terceiro Mundo.
-Que propostas avança para a materialização dos direitos humanos?
Grecco - De maneira simplista, porém fundamental, é a vontade política. Contudo, existem avanços incríveis promovido pelas Nações Unidas, como o Mecanismo de Revisão Periódia Universal (UPR) que dentre suas várias funções, visa identificar e monitorar as dificuldades e os fenômenos que afectam a concretização dos Direitos Humanos. A materialização dos Direitos Humanos, em termos de longo prazo, só será possível quando os países-membros da ONU se engajarem na melhoria da participação na diplomacia, na luta pela aplicação do Direito Internacional Humanitário, nos Tribunais Internacionais e etc. É agregar e religar o máximo possível o diálogo em torno dos direitos humanos, caso contrário iremos dar continuidade a uma cultura de administração assistencialista da pobreza e o usar o excluído como objeto de estudo acadêmico e fonte de relatórios internacionais.

Bantulândia - Quais são as grandíssimas diferenças entre o cidadão do hemisfério sul e do norte na compreensão dos direitos humanos?
Grecco - Seria papel de um sociólogo ou um antropólogo responder essa pergunta apuradamente, mas de forma subjetiva e genérica, o hemisfério norte tem um posicionamente muito autárquico, monopoliza a luta pelos direitos humanos, tornando-a cada vez mais acadêmica, fazendo do ativista uma pessoa “privilegiada” por lutar pelos direitos humanos, quando esse deveria ser o papel possível de todos nós. Essa idéia pode ser melhor compreendida com Bárbora Bukovská em seu artigo: “Perpetrating Good: Unintended Consequences of International Human Rights Advocacy”.
Ainda de forma genérica, o hemisfério sul, carentes de direitos, tem um posicionamento bem menos positivista, mas com muitas heranças militaristas e oligárquicas, no caso da América Latina, por exemplo, e das ditaduras em África, típicas situações que limitam cidadãos ávidos por justiça. Por outro lado, é possível ver um forte crescimento de organizações da sociedade civil tão fortes quanto as do hemisfério norte, prova disso é a Cooperação Sul-Sul criada pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC) com o objetivo de coordenar, negociar, aprovar, acompanhar e avaliar a cooperação para o desenvolvimento, em todas as áreas do conhecimento, usando as palavras da ABC.

Bantulândia - O filósofo Thomas Pogge afirma categoricamente que, “sem o apoio dos Estados Unidos da América e da União Europeia, a pobreza e a fome mundiais não serão certamente erradicadas enquanto formos vivos”. Qual é o seu posicionamento?
Grecco - Concordo com Pogge, inclusive é possível ver grandes sinais de como ele defende a cooperação da comunidade internacional em sua teoria de Dividendo dos Recursos Globais para a pobreza sistêmica. Se vermos pobreza e desigualdade como consequências da privatização e de todas as tendências capitalistas, historicamente os EUA e a UE são os principais réus para se responsabilizarem sobre esse tema. Mas é importante lembrar que não é válido lutar contra a pobreza somente com a concepção que desenvolvimento está intrínseco com a industrialização. Usar o pobre como mão-de-obra barata para grandes indústrias também não é desenvolvimento. Os EUA e a UE tem grandes poderes de Investimento Externo Direto (IED)de forma que seja possível respeitar os direitos humanos e as características locais, ou seja, nem todos os países precisam da Nike, pode-se fazer um IED incentivamento o crescimento de pequenas e médias empresas locais ao invés de exterminá-las.

Bantulândia - Na actualidade, que vantagens traz o Fórum Social Mundial, para o debate e inspiração de programas de inclusão social dentro dos países?
Grecco - Em 2009, o FSM teve 133 mil participantes de 142 países. Que outro Fórum mundial tem essa representatividade? Certamente, o FSM é uma ferramenta democrática, perto desses encontros aristocráticos internacionais, com excepção dos encontros diplomáticos oficiais, é claro. Portanto só o evento em si já trata da inclusão social.
FSM é o empoderamento dos recursos constitucionais na luta pelos direitos de forma autodeterminada que dá espaço para que diversos grupos e ONGs construam uma rede internacional e religada, aumentando o poder de pressão governamental e diminuindo a dissolução existente entre os defensores de direitos humanos e ambientais.

Bantulândia - Como é que os grupos excluídos e oprimidos pela “globalização predatória” podem estabelecer redes cosmopolitas para uma possível “globalização solidária”?
Grecco - Muito bom uso do termo “cosmopolita” e desse entendimento de cidadania mundial que elaboro minha resposta. Num único termo: Educação em Direitos Humanos em que está a origem das possibilidades dos excluídos acharem seu fluxo centrípeto de volta à humanidade e perceber que todos nós somos seres políticos. É a Educação em Direitos Humanos que educa o cidadão a discernir e se perguntar sobre suas próprias atitudes diante de si, do outro e da sociedade; educa-o a se relacionar além da tolerância, pois não somente suporta-se o outro, mas reconhece-se no outro; torna-o capaz de compreender sua função na cidade, ou seja, praticar a cidadania voluntária de acordo com as circunstâncias da cidade; educa-o a raciocinar que trabalhar pelo bem comum é, ao mesmo tempo, trabalhar o melhor bem para si, pois, quando não há respeito aos direitos humanos e às peculiaridades culturais, religiosas e sociais, o ser humano será constantemente espoliado e agredido, dando lugar à violência; por fim, educa-o para saber como se tornar um ser humano, disposto a lidar, respeitar e amar o que há de universal em todos nós, principalmente as diferenças, as culturas, as etnias, etc.

*Activista de Direitos Humanos desde os 16 anos. Voluntário da Associação da ONU no Brasil. Experiente com a causa dos Refugiados pela Cáritas/Agência das Nações Unidas para os Refugiados-ACNUR. Ganhador do Prêmio Direitos Humanos 2006 da Presidência da República. Representou Angola na Model United Nations Conference 2007.

quarta-feira, 13 de maio de 2009

Leopoldo de Amaral: Moçambique sem avanços em direitos humanos

É o exemplo típico do jovem esclarecido em direitos humanos, democracia e desenvolvimento. Sabe discutir problemas do seu país, Moçambique, passando pela África, desembocando numa esfera maior: o resto do mundo. Seu nome é Leopoldo de Amaral*. Guindou-se, por mérito, à ribalta da vida académica, intelectual e profissional. Formado em Direito e especializado em Direitos Humanos, hoje, trabalha para a Open Society Initiative for Southern Africa, com escritórios na África do Sul. O bantulandia convida-o em discurso directo, para falar sobre a situação de direitos humanos em Moçambique:

Bantulândia – Moçambique regista altos níveis de corrupção, relatados pela Transparência Internacional e órgãos locais. Então, qual é a relacão entre corrupção e violação de direitos humanos?
Amaral - A corrupção é um dos principais constrangimentos ao desenvolvimento de um país. Em Moçambique, ela afecta a implementação das políticas e planos de desenvolvimento e afecta negativamente a provisão de serviços públicos ao cidadão, assim como a competitividade do Estado no plano internacional.
Assim, fomentar ou ser complacente com a corrupção é negar o direito à educação para as crianças, a segurança (uma das razões para o elevado índice de criminalidade), o acesso à saúde e outros direitos sociais. Por isso, a maioria da população moçambicana empobrece cada vez mais. Os países mais transparentes, responsáveis e menos corruptos são os mais justos e equitativos para com os seus cidadãos.
Moçambique, por ser um país em vias de desenvolvimento e dependente de ajuda externa, devia ser um exemplo na gestão dos recursos e coisas públicas.

Bantulândia - Em que áreas de direitos humanos Moçambique avançou, desde 1990?
Amaral - Eu diria que, no geral, Moçambique avançou apenas no campo teórico, com as reformas legislativas e ratificação de vários tratados internacionais, mas claudica na sua implementação. Ratificamos vários tratados internacionais e temos leis bonitas, mas não há implementação.
Se tivesse que destacar uma área específica diria que houve progresso na abertura e liberalização do sector de comunicação social (Imprensa). Há uma diversidade de empresas de comunicação social, mas, infelizmente, tal não se traduz ainda no debate franco, despolitizado e na pluralidade de idéias. A auto-censura ainda é uma prática bastante reportada em Moçambique principalmente quando se trata de assuntos “quentes” (envolvendo as mais altas figuras) do Estado.
Ironicamente, apesar de haver uma diversidade da Imprensa tal não se traduz na liberdade de expressão (casos da censura nos órgãos públicos de comunicação social) e livre acesso à informação. Não existe uma lei que regule o acesso à informação pública e as fontes de informação.

Bantulândia - Quais as áreas de direitos humanos que menos avançou, desde 1990?
Amaral - No campo da segurança, nomeadamente no Policiamento e Serviços Prisionais. A falta de um apetrechamento técnico e material da Polícia faz com que esta seja uma fonte de violação de direitos humanos.
A privação da liberdade de qualquer suspeito é usada pela Polícia como regra por falta de capacidade para investigar, embora a própria Polícia saiba que apenas deve restringir a liberdade de qualquer cidadão em caso de flagrante delito. Esse fenómeno contribui para a superlotação das cadeias, razão pela qual, vezes sem conta, os reclusos morrem por asfixia e por contração de doenças.
Mas não devemos apenas culpar a Polícia por tais práticas, mas sim quem devia dotá-la de tais apetrechos materiais e técnicos. A questão da profissionalização da Polícia de Investigação Criminal e do necessário apetrecho material tem que ser endereçado. Nas condições em que se encontra a Polícia as violações dos direitos do cidadão continuarão a ser o padrão por muito tempo. A vulnerabilidade material da Polícia e a corrupção no seu seio fazem com que ela se torne muito violenta e, por conseguinte, não dando garantias de poder ser o garante da lei e ordem.
Há a notar que o investimento que está sendo feito no Judiciário não está a ser acompanhado na Polícia. Os juízes estão cada mais profissionalizados e com maiores apetrechos materiais, mas os policias não, principalmente os que tem que investigar crimes. Apesar da existência de uma instituição de formação superior de policias, tal ainda não teve o seu impacto positivo no quadro policial e nas suas actividades.

Bantulândia - O Estado moçambicano ainda não ratificou o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC), quando a Constituição da República de Moçambique, o Plano de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta, a Agenda 2025, Declaração Universal dos Direitos Humanos, Carta Africana dos Direitos Humanos e Povos, os Objectivos de Desenvolviemento do Milénio e outros documentos consagram os direitos nele plasmados.
- Por que o Estado moçambicano não ratifica o PIDESC?
Amaral - É uma grande contradição. O Estado moçambicano nasceu com o objectivo de garantir aos seus cidadãos condições mínimas de vida, habitação, educação e saúde. O PIDESC surge para enfatizar o comentimento dos Estados em garantir tais condições. Digo que é uma contradição pois, muitos de tais preceitos estão plamasdos na Constituição, embora de forma programática, ou seja, como um ideal e sem garantias de justiciabilidade. O PIDESC prevê também a implementação progressiva dos direitos aí consagrados não exigindo dos Estados partes a sua implementação total de dia para noite, pois aqui reconhece-se que nem todos os Estados tem as mesmas condições financeiras para garantir imediatamente o usufruto de tais direitos pelos seus cidadãos.

Bantulândia - O que é prejudicado em virtude de não ratificar?
Amaral - Ao não ratificar o PIDESC, o Estado Moçambicano passa imagem que não está preparado/interessado em se comprometer perante a comunidade dos Estados, garantindo as condições sócio-económicas para o desenvolvimento dos seus cidadãos. Ao ratificar o PIDESC, o Estado Moçambicano teria a oportunidade de fazer um exercício de introspecção sobre o grau de esforço aplicado no alcance dos direitos socio-económicos do seu povo.
Burundi, Etiópia e Guiné-Bissau são Estados africanos com um Índice de Desenvolvimento Humano e Produto Interno Bruto (PIB) per capita menor que o de Moçambique, mas já ratificaram o PIDESC; assim como Estados não democráticos como a Líbia e a Swazilândia também o ratificaram. Que medo o Estado moçambicano tem de ratificar o PIDESC?

Bantulândia - Mudando de assunto, como ex-docente da Faculdade de Direito, que propostas avanças para o melhoramento do currícula do curso de Direito em relação aos direitos humanos?
Amaral - O ensino e aprendizagem de Direitos Humanos devia ser introduzido no ensino pré-universitário, à semelhança das disciplinas básicas como matemática e português. Educação em direitos humanos devia fazer parte do processo de formação do Homem.
No ensino superior apenas devia ser aperfeiçoado e especializado para quem optasse por esse ramo. Salvo erro, apenas a Universidade Eduardo Mondlane (UEM) e a Universidade Católica de Moçambique (UCM) leccionam a cadeira de Direitos Humanos, sendo que a UEM prepara-se para introduzir uma especialização nesse ramo.

Bantulândia - Qual é o nível de percepção de juízes moçambicanos sobre direitos humanos?
Amaral - Moçambique é parte de vários tratados e convenções internacionais que regulam os direitos humanos. Raramente esses instrumentos jurídicos internacionais que fazem parte do ordenamento jurídico nacional são citados quer por advogados e por juizes em foros judiciais. A formação em direitos humanos apenas foi introduzida recentemente na UEM e na UCM. A maioria dos juizes e advogados moçambicanos nunca aprenderam direitos humanos como disciplina razão pela qual não estão abalizados nessa matéria.
Outro factor que inibe o desenvolvimento da cultura jurídica de direitos humanos é o facto de a lei restringir o acesso ao Conselho Constitucional a cidadãos individualmente, ou seja, estes não têm o locus standi para disputar a constitucionalidade ou legalidades de factos e actos practicados contra si. Se tal fosse possível, à semelhança do que acontece na maioria dos Estados, direitos humanos teriam espaço de debate, análise e aplicabilidade.

Bantulândia - Qual é o balanço que faz dos jovens moçambicanos que já fizeram intercâmbio em direitos humanos no Brasil, com financiamento da Open Iniciative Southern Africa?
Amaral - O balanço é positivo. O projecto iniciou em 2003 e desde lá mais 10 formandos, incluindo entre eles jornalistas, activistas sociais e advogados já beneficiaram da formação.
Como sabe a nivel da CPLP, o Brazil possui a melhor experiência na luta, promoção e protecção de direitos humanos, desenvolvida nos últimos 50 anos. Os formandos hoje emprestam o seu saber em vários departamentos do Estado, na academia, em organizações internacionais e em ONGs.

*Jurista especializado em Direitos Humanos Coordinador-adjunto do programa de Direitos Humanos e Democracia da Open Society Initiative for Southern Africa (OSISA) na África Austral. Ex-docente de Direito Internacional Público e Direitos Fundamentais na Universidade Eduardo Mondlane (UEM), Mocambique.

sábado, 25 de abril de 2009

Custódio Duma: Advogados moçambicanos têm baixa compreensão de direitos humanos

O www.bantulandia.blogspot.com continua em busca de iguarias de direitos humanos. Mais uma vez, convida o estimado leitor para se deliciar em sua mesa. Por isso, na entrevista que se segue compreende-se que ser advogado não é sinónimo de saber temas sobre direitos humanos. Com efeito, o blog traz, hoje e agora, o já conhecido advogado em direitos humanos, o moçambicano Custódio Duma*, o qual usando do seu direito à fala denuncia: “Alguns advogados continuam a pensar que direitos humanos só servem para defender bandidos ou beneficiar a oposição política do país”. Em sua experiência advogatícia afirma não conhecer caso algum em que um cidadão moçambicano tenha colocado o Estado à barra do tribunal, exigindo o direito à alimentação, saúde, educação, infantário, habitação ou outros direitos similares. Siga a entrevista conduzida por Josué Bila

Bantulândia - Qual tem sido o papel do advogado moçambicano na defesa dos direitos humanos?
Duma - Olha, existe, em Moçambique, cerca de 600 advogados. Mais de metade desses advogados moram na cidade capital do país, Maputo. Há províncias com um só advogado, como é o caso de Tete, Niassa, entre outras. Mesmo assim, cerca de metade desses advogados não exerce a profissão. Dos advogados que exercem a profissão, são pouquíssimos que entendem de direitos humanos, sendo que quando me perguntas qual é o papel dos advogados moçambicanos na defesa de direitos humanos, na prática, digo nenhum. Porém, reconheço o papel dos advogados ligados às organizações de direitos humanos e alguns poucos ligados à Comissão dos Direitos Humanos na Ordem dos Advogados. O papel desses poucos tem sido de garantir o acesso à justiça ao cidadão, uma justiça efectiva e de qualidade.

Bantulândia – Diz que são pouquíssimos os advogados moçambicanos que entendem de direitos humanos. Então, desses pouquíssimos, qual é o nível de conhecimento de direitos humanos?
Duma - É muito baixo; no geral, é muito baixo, embora um e outro, principalmente os que estão ligados às organizações da sociedade civil, tenham lucidez em relação a matéria. Na verdade, o conceito de direitos humanos, em Moçambique, ainda está em construção e, em alguns casos, são os próprios advogados que o torcem ou o desvirtuam.
Alguns advogados continuam a pensar que direitos humanos só servem para defender bandidos ou beneficiar a oposição política do país. É triste saber que advogados há que pensam desta maneira.

Bantulândia - Por que advogados moçambicanos pensam que direitos humanos só servem para defender bandidos e oposição política?
Duma - Olha, na verdade essa percepção não é só de alguns advogados; é de uma boa parte da sociedade. Isso acontece porque ainda não perceberam o verdadeiro conceito de direitos humanos, que é o básico; só depois disso é que é possivel perceber que os acusados de terem cometido crimes também têm direito à assistência jurídica.

Bantulândia - É comum que advogados moçambicanos utilizem instrumentos internacionais de direitos humanos ratificados por Moçambique?
Duma - Não é comum.

Bantulândia - Por que não é comum?
Duma – Não sei bem o porquê de não ser comum que advogados moçambicanos se utilizem de instrumentos internacionais de direitos humanos. Contudo, acho que é por não os conhecerem bem ou porque eventualmente os juizes simplesmente podem ignorar os argumentos construidos pelos advogados, inspirados nos tais instrumentos.

Bantulândia - Conhece algum caso em que um cidadão moçambicano, sem recursos financeiros, colocou o Estado à barra do Tribunal, exigindo direito à alimentação, saúde, educação, infantário, habitação ou outros direitos similares?
Duma - Não conheço caso parecido. Mas, conheço casos de cidadãos que exigem compensações por maus tratos de agentes públicos e detenções ilegais.
Penso que os cidadãos não intentam acções contra o Estado exigindo alimentos, habitação, saúde ou outros direitos, porque não sabem que isso é possível. É pura ignorância. Em segundo lugar, porque a justiça moçambicana custa muito caro ao cidadão.

Bantulândia - Como os casos de maus-tratos chegaram ao Tribunal?
Duma - Os casos que conheço chegaram ao Tribunal, através das ONGs de direitos humanos, concretamente a Liga Moçabicana dos Direitos Humanos. Pessoalmente, conheço 7 casos, dos quais três tiveram desfecho favorável aos cidadãos reclamantes.

Bantulândia - Qual é o nível de eficiência da Ordem dos Advogados de Moçambique ou Fundo de Patrocínio e Assistencia Jurídica, para que os cidadãos se utilizem deles?
Duma – Honestamente falando, eu penso que o nível de eficiência da Ordem e do IPAG ainda é baixa. A Ordem só agora é que está a desenhar o seu plano estratégico e esperamos que a resposta a essa matéria seja positiva. Já o Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica (IPAJ) ainda não conseguiu mostrar a razão de sua existência. Exemplo: semana passada, em Pemba (Cabo Delgado), os reclusos responderam ao digno dirigente do IPAJ, Pedro Nhatitima, que não conheciam aquele órgão do Estado. Isto aconteceu numa visita que ele realizou aquando da reunião nacional do IPAJ. Esse posicionamento dos reclusos é repetido por quase todo o país.

Bantulândia - O professor brasileiro Fábio Comparato diz que o judiciário viola os direitos humanos, quando, por meio da norma legal, manda aprisionar cidadãos em cadeias com condições indecentes.
Como advogado, qual é o seu posicionamento?
Duma - Primeiro, concordo plenamente com a colocação do professor Comparato. Segundo, o Direito não deve ser usado para retirar a dignidade do ser humano. Sempre que isso estiver para acontecer é melhor não aplicar esse Direito. Afinal de contas, o Direito é um meio à Justiça e não um fim em si. O fim do Direito deve ser sempre a Justiça. Portanto, aprisionar cidadãos em cadeias degradadas, sem condições higiénicas e de sociabilidade carcerária de qualidade é, sim, violar direitos humanos.

Bantulândia - O que deve ser feito para se melhorar os direitos dos reclusos?
Duma - Em primeiro lugar, é preciso aperfeiçoar a política pública concernente e começar a pensar-se em penas alternativas. Em segundo lugar, é preciso melhorar, através de investimentos, as infra-estruturas prisionais que são uma herança colonial, sem esquecer de melhorar as condições dos agentes carcerários.
Mas, também é preciso lembrar aos juizes que nem sempre é necessário encarcerar o cidadão. Se fores a reparar, as prisões em Moçambique estão repletas de cidadãos a cumprir penas de 1 a 3 meses, prisões essas que poderiam ser convertidas em multa.

Bantulândia - Conhece algum caso em que um determinado juiz, em nome de regras mínimas de tratamento de reclusos, internacionalmente reconhecidas, tenha mandado um cidadão cumprir a pena em casa, por as cadeias locais não terem condições mínimas de reclusão?
Duma - Salvo minha ignorância, nunca ouvi falar em caso idêntico. Entretanto, conheço vários casos de penas máximas aplicadas desnecessariamente.

Bantulândia - Qual é a expectativa que tem da recém-criada Comissão Nacional de Direitos Humanos?
Duma - A Comissão ainda não foi criada. Somente a Assembleia da República aprovou a Lei que a cria, mas o Conselho Constitucional a chumbou por a considerar inconstitucional. Ora, a sociedade civil moçambicana, em tempo oportuno, já tinha chamado à atenção sobre os aspectos detectados como inconstitucionais pelo Conselho Constitucional. Infelizmente, o Governo e a Assembleia da Républica preferiram ser arrogantes e unilateriais a contribuir para instituições mais democráticas, mais livres e mais justas, objectivando a continuação da construção do Estado de Direito Democrático em Moçambique.


Bantulândia - Fala, em linhas gerais, do papel da Liga dos Direitos Humanos na defesa de direitos humanos.
Duma – olha, em termos gerais posso afirmar categoricamente que se a Liga dos Direitos Humanos não existisse não poderiamos falar de acesso à justiça para populações pobres. A LDH, com fundos dos seus parceiros, está a realizar o trabalho que deveria ser feito pelo Estado através do Instituto de Patrocínio e Assistência Jurídica ou outros. Falar do papel da LDH na defesa de direitos humanos deve nos lembrar que esta foi uma das primeiras, senão a primeira a abordar abertamente sobre esses conteúdos no país, tanto que muito conhecimento sobre a matéria no país tem sido produzido a partir da LDH.

*Custódio Duma é advogado e defensor de direitos humanos, trabalhando na Liga Moçambicana de Direitos Humanos. Ex-intercambista em Direitos humanos pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Conectas Direitos Humanos (São Paulo), em 2005, com financiamento da Open Iniciative Southern Africa.

sábado, 18 de abril de 2009

Direitos Humanos e Políticas Públicas


Por Josué Bila
A institucionalização aberta de Direitos Humanos em Moçambique, em 1990, transformou o país africano num palco de debates sobre direitos e liberdades individuais, ainda que essa discussão fosse fragmentada e retalhada, por causa da experiência nova e conhecimentos limitados da maior parte de autoridades e agentes do Estado e da sociedade civil.