sábado, 27 de setembro de 2008

A crise de Wall Street equivale à queda do Muro de Berlim

JOSEPH STIGLITZ
A crise de Wall Street equivale à queda do Muro de Berlim

Para o prêmio Nobel de Economia de 2001, a crise financeira que atingiu Wall Street e os mercados financeiros de todo o mundo equivale, para o fundamentalismo de mercado, ao que foi a queda do Muro de Berlim para o comunismo. "Ela diz ao mundo que esse modelo não funciona. Esse momento assinala que as declarações do mercado financeiro em defesa da liberalização eram falsas", diz Stiglitz.

Nathan Gardels – El País

Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia em 2001, sustenta que a crise de Wall Street evidencia que o modelo de fundamentalismo de mercado não funciona. Para ele, a crise que sacudiu Wall Street é para esse modelo o equivalente ao que foi a queda do Muro de Berlim para o comunismo. Stiglitz critica a complexidade dos produtos financeiros que provocaram a crise e os incentivos ao risco dos sistemas de recompensa dos executivos.
Barack Obama afirma que o naufrágio de Wall Street é a maior crise financeira desde a Grande Depressão. John McCain diz que a economia está ameaçada, mas é basicamente forte. Qual deles têm razão?
Stiglitz – Obama está muito mais próximo da verdade. Sim, os Estados Unidos tem talentos, grandes universidades e um bom setor de alta tecnologia. Mas os mercados financeiros desempenham um papel muito importante, sendo responsáveis nos últimos anos por cerca de 30% dos lucros empresariais. Os executivos dos mercados financeiros obtiveram esses lucros com o argumento de que estavam ajudando a gerir o risco e a garantir maior eficácia ao capital. Por isso, diziam, mereciam rendimentos tão altos. Ficou demonstrado que isso não é certo. A gestão que eles executaram foi muito mal. Agora, o tiro saiu pela culatra e o resto da economia pagará porque as trocas comerciais cairão devido à redução do crédito. Nenhuma economia moderna pode funcionar bem sem um setor financeiro vibrante.Assim, o diagnóstico de Obama, quando diz que nosso setor financeiro está em estado deplorável, é correto. E se está em um estado deplorável, isso significa que nossa economia está em um estado deplorável. Ainda que não levássemos em conta a comoção financeira, mas só a dívida doméstica, nacional e federal, isso já bastaria para ver a seriedade do problema. Estamos nos afogando. Se observarmos a desigualdade, que é a maior desde a Grande Depressão, o problema é sério. Se observarmos o estancamento dos salários, o problema é sério. A maior parte do crescimento econômico dos últimos cinco anos baseava-se em uma bolha do setor imobiliário, que agora estourou. E os frutos desse crescimento não foram repartidos amplamente. Em resumo, os fundamentos não são bons.
Qual deveria ser, na sua opinião, a resposta política ao afundamento de Wall Street?
Stiglitz – Está claro que necessitamos não só voltar a regular, mas também redesenhar o sistema regulador. Durante seu reinado como chefe do Federal Reserve, no qual surgiu essa bolha hipotecária e financeira, Alan Greenspan tinha muitos instrumentos ao seu alcance para freá-la, mas não conseguiu fazer isso.Afinal de contas, Ronald Reagan escolheu-o por sua atitude contrária à regulação. Ele substituiu a Paul Volcker no Federal Reserve, conhecido por manter a inflação sob controle. O governo Reagan não acreditava que ele fosse um “liberalizador” adequado. Por conseguinte, nosso país sofreu os efeitos de escolher como regulador supremo da economia a alguém que não acreditava na regulação. De modo que, para corrigir o problema, a primeira coisa que precisamos é de líderes políticos e responsáveis que acreditem no papel da regulação. Além disso, precisamos estabelecer um sistema novo, capaz de suportar a expansão das finanças e dos instrumentos financeiros de um modo melhor que os bancos tradicionais.Precisamos, por exemplo, regulamentar os incentivos. Eles têm que ser pagos baseando-se nos resultados de vários anos, e não no de apenas um, porque este último modelo fomenta as apostas. As opções de compra de ações fomentam a adulteração da contabilidade e é preciso frear essa prática. Em resumo, oferecemos incentivos para que se alimentasse um mau comportamento no sistema.Além de freios, precisamos de faixas de controle. Historicamente, todas as crises têm estado associadas a uma expansão muito rápida de determinados tipos de ativos. Se conseguimos frear esse processo, podemos impedir que as bolhas cresçam de modo descontrolado. O mundo não desapareceria se as hipotecas crescessem 10% e não 25% anualmente. Conhecemos tão bem o patrão que deveríamos fazer algo para dominá-lo. Precisamos ainda de uma comissão de segurança para os produtos financeiros, assim como temos no caso dos produtos de consumo. O setor financeiro estava inventando produtos que não geriam o risco, mas sim o produziam.Certamente, acredito na necessidade de uma maior transparência. No entanto, desde o ponto de vista dos critérios reguladores, esses produtos eram transparentes em um sentido técnico. Mas eram tão complexos que ninguém os entendia. Mesmo que fossem tornadas públicas todas as cláusulas destes contratos, elas não trariam a nenhum mortal alguma informação útil sobre seu risco. Muita informação equivale a nenhuma informação. Neste sentido, aqueles que pedem mais revelações como solução para o problema não entendem a informação. Se alguém compra um produto, necessita de uma informação simples e básica: qual é o risco. Essa é a questão.
Os ativos hipotecários que provocaram o caos estão em mãos de bancos ou fundos soberanos da China, Japão, Europa e países do Golfo. Como essa crise os afetará?
Stiglitz – É certo. As perdas das instituições financeiras européias com as hipotecas subprime foram maiores do que as verificadas nos Estados Unidos. O fato de os EUA terem diversificado esses ativos hipotecários por todo o mundo, graças à globalização dos mercados, suavizou o impacto interno. Se não tivéssemos disseminado o risco por todo o mundo, a crise seria muito pior. Uma coisa que agora se entende, a conseqüência dessa crise, é a informação assimétrica da globalização. Na Europa, por exemplo, não se sabia muito bem que as hipotecas norte-americanas são hipotecas sem lastro: se o valor da casa baixa mais que o da hipoteca, pode-se devolver a chave ao banco e ir embora. Na Europa, a casa serve de garantia, mas o tomador do empréstimo segue endividado, aconteça o que aconteça. Este é um dos perigos da globalização: o conhecimento é local, sabe-se muito mais sobre sua própria sociedade do que sobre as outras.
Qual é então, em última análise, o impacto do naufrágio de Wall Street na globalização regida pelo mercado?
Stiglitz - O programa da globalização esteve estreitamente ligado aos fundamentalistas do mercado: a ideologia dos mercados livres e da liberalização financeira. Nesta crise, observamos que as instituições mais baseadas no mercado da economia mais baseada no mercado vieram abaixo e correram a pedir a ajuda do Estado. Todo mundo dirá agora que este é o final do fundamentalismo de mercado. Neste sentido, a crise de Wall Street é para o fundamentalismo de mercado o que a queda do Muro de Berlim foi para o comunismo: ela diz ao mundo que este modo de organização econômica é insustentável. Em resumo, dizem todos, esse modelo não funciona. Este momento assinala que as declarações do mercado financeiro em defesa da liberalização eram falsas.A hipocrisia entre o modo pelo qual o Tesouro dos EUA, o FMI e o Banco Mundial manejaram a crise asiática de 1997 e o modo como procedem agora acentuou essa reação intelectual. Agora os asiáticos dizem: “Um momento, para nós, vocês disseram que deveríamos imitar o modelo dos Estados Unidos. Se tivéssemos seguido vosso exemplo, agora estaríamos nesta mesma desordem. Vocês, talvez, possam se permitir isso. Nós, não”.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer, da carta maior www.cartamaior.com.br

Colapso financeiro: o edificio financeiro do imperialismo corre o risco de desintegrar-se

Os acontecimentos dos últimos dez dias na Wall Street representam uma fase nova e mais desestabilizadora da comoção que agarra as instituições financeiras e os mercados nos EUA. Uma crise financeira que tem estado a desdobrar-se ao longo de mais de um ano. Ela já é agora a mais séria crise financeira do capitalismo estado-unidense desde a Grande Depressão da década de 1930. E de forma alguma contida ou sob controle.
O edifício financeiro do imperialismo americano está em perigo de desintegração. E a classe dominante dos EUA está a remendar medidas desesperadas para impedir o colapso generalizado.
Esta análise examina as erupções recentes na Wall Street em meados e fins de Setembro e as causas estruturais mais profundas da crise.
O presente artigo é de Raymond Lotta
Leia o original em http://www.globalresearch.ca/index.php?context=va&aid=10331 Este artigo encontra-se igualmente em http://resistir.info/ .

Envolvimento da CIA no tráfico de drogas

O artigo abaixo é de William Blum*, autor de Killing Hope: U.S. Military and CIA Interventions Since World War II. Ele aponta o envolvimento da secreta norte-americana no tráfico de drogas em dezenas de países – de França a Haiti, passando por Afeganistão e China, até desembocar em territórios como Panamá e Nicarágua e por que não Austrália...
A CIA apoiou os Moujahedeen pesadamente ligados ao tráfico de droga enquanto combatiam o governo apoiado pelos soviéticos e os seus planos para reformar a muito atrasada sociedade afegã. O principal cliente da agência era Gulbuddin Hekmatyar, um dos principais senhores da droga e o principal refinador de heroína. A CIA forneceu camiões e mulas, as quais tendo carregado armas para dentro do Afeganistão, eram utilizadas para transportar ópio para laboratórios ao longo da fronteira afegã-paquistanesa.

1947 a 1951, FRANÇA
Alfred W. McCoy, autor de The Politics of Heroin: CIA Complicity in the Global Drug Trade, as armas, o dinheiro e a desinformação da CIA permitiram aos sindicatos do crime corsos em Marselha arrebataram o controle de sindicatos de trabalhadores ao Partido Comunista. Os corsos ganharam influência política e controle sobre as docas — condições ideais para consolidarem uma parceria a longo prazo com distribuidores da máfia da droga, os quais transformaram Marselha na capital da heroína do mundo ocidental. Os primeiros laboratórios de heroína de Marselha foram abertos em 1951, poucos meses depois de os corsos tomarem conta da zona portuária.
PRINCÍPIO DA DÉCADA DE 1950, SUDESTE ASIÁTICO
O exército nacionalista chinês, organizado pela CIA para travar guerra conta a China Comunista, tornou-se o barão do ópio do Triângulo Dourado (partes da Birmânia, Tailândia e Laos), a maior forte de ópio e heroína do mundo. A Air America, a principal companhia aérea de propriedade da CIA, transportava as drogas para toda a parte do Sudeste Asiático. (Ver (See Christopher Robbins, Air America, Avon Books, 1985, chapter 9) .
DA DÉCADA DE 1950 AO PRINCÍPIO DA DE 1970, INDOCHINA
Durante o envolvimento militar dos EUA no Laos e em outras partes da Indochina, a Air America transportava ópio e heroína por toda a parte. Muitos soldados americanos (GIs) no Vietname ficaram viciados. Era utilizado um laboratório construído no centro de comando da CIA no Laos para refinar heroína. Após uma década de intervenção militar americana, o Sudeste da Ásia tornou-se a fonte de 70 por cento do ópio ilícito do mundo e o principal fornecedor de matérias-primas para o mercado de heroína em explosão dos EUA.
1973-80, AUSTRÁLIA
O Nugan Hand Bank de Sydney era um banco da CIA em tudo, excepto no nome. Entre os seus responsáveis estava uma rede de generais e almirantes dos EUA e homens da CIA, incluindo o antigo director ciático William Colby, que era também um dos seus advogados. Com agências na Arábia Saudita, Europa, Sudeste da Ásia, América do Sul e nos EUA, o Nugan Hand Bank financiou o tráfico de droga, lavagem de dinheiro e negócios internacionais de armas. Em 1980, em meio a várias mortes misteriosas, o banco entrou em colapso com uma dívida de US$50 milhoes. (Ver Jonathan Kwitny, The Crimes of Patriots: A True Tale of Dope, Dirty Money, and the CIA ).
DÉCADAS DE 1970 E 1980, PANAMÁ
Durante mais de uma década, o homem forte do Panamá, Manuel Noriega, foi um activo e colaborador da CIA muito bem pago, apesar de as autoridades estadunidenses da droga saberem desde 1971 que o general estava pesadamente envolvido no tráfico de drogas e lavagem de dinheiro. Noriega facilitou voos "armas-por-drogas" para os contras, proporcionando protecção e pilotos, bem como abrigos seguros para responsáveis pelo cartel da droga, e discretas facilidades bancárias. Responsáveis dos EUA, incluindo o então director da CIA William Webster e vários responsáveis do DEA, enviaram a Noriega cartas de agradecimento pelos esforços para impedir o tráfico de droga (embora só contra competidores do seus patrões do Cartel de Medellin). O governo dos EUA só se voltou contra Noriega, invadindo o Panamá em Dezembro de 1989 e sequestrando o general depois de descobrir que ele fornecia informações e serviços aos cubanos e sandinistas. Ironicamente, o tráfico de droga através do Panamá aumentou após a invasão dos EUA. (John Dinges, Our Man in Panama ; National Security Archive Documentation Packet The Contras, Cocaine, and Covert Operations.)
DÉCADA DE 1980, AMÉRICA CENTRAL
Séries de artigos no San Jose Mercury News documentam um aspecto das operações entremeadas que ligam a CIA, os contras e os cartéis da cocaína. Obcecada em derrubar o governo sandinista na Nicarágua, responsáveis da administração Reagan toleraram o tráfico de droga desde que os traficantes dessem apoio aos contras. Em 1989, o Subcomité do Senado sobre Terrorismo, Narcóticos e Operações Internacionais (o comité Kerry) concluiu uma investigação de três anos com declarando: "Houve prova substancial de contrabando de droga através de zonas de guerra da parte de contras individuais, fornecedores dos contra, pilotos mercenários que trabalhavam com os contras, e apoiantes dos contra por toda a região... Responsáveis dos EUA envolvidos na América Central deixaram de tratar da questão da droga por receio de por em risco os esforços de guerra contra a Nicarágua... Em cada caso, um ou outra agência do governo dos EUA tinha informação respeitante ao envolvimento enquanto o mesmo se verificava, ou imediatamente depois... Decisores políticos sénior dos EUA não foram imunes à ideia de que o dinheiro da droga era uma solução perfeita para os problemas de financiamento dos contra". (Drugs, Law Enforcement and Foreign Policy, a Report of the Senate Committee on Foreign Relations, Subcommittee on Terrorism, Narcotics and Intemational Operations, 1989) Na Costa Rica, que serviu como "Frente Sul" para os contras (Honduras sendo a Frente Norte), havia várias diferentes redes CIA-contra envolvidas no tráfico de droga. Além daqueles que prestavam serviço à operação Meneses-Blandon pormenorizada pelo Mercury News, e da operação de Noriega, houve o operacional da CIA John Hull, cujas fazendas ao longo da fronteira da Costa Rica com a Nicarágua foram a principal área de treino para os contras. Hull e outros apoiantes dos contra conectados com a CIA trabalhavam em conjunto com George Morales, um grande traficante de droga colombiano com base em Miami que posteriormente admitiu dar US$3 milhões em cash e vários aviões aos líderes contra. Em 1989, depois de o governo da Costa Rica processar Hull por tráfico de droga, a DEA contratou, clandestinamente e ilegalmente, um avião para transportar o operacional da CIA para Miami, via Haiti. Os EUA repetidamente obstruíram os esforços da Costa Rica para extraditar Hull de volta ao país a fim de ser julgado. Um outro grupo com base na Costa Rica envolvia um grupo de cubano-americanos a quem a CIA havia contratado como treinadores militares para os contras. Muitos deles estavam há muito envolvidos com a CIA e o tráfico de droga. Eles utilizaram aviões contra e um companhia com sede na Costa Rica, a qual lavava dinheiro para a CIA, para transportar cocaína para os EUA. A Costa Rica não era a única rota. A Guatemala, cujo serviço de inteligência militar — estreitamente associado com a CIA — abrigava muitos traficantes de droga, segundo a DEA era outra estação ao longo da rota da cocaína. Além disso, o contabilista de Miami do Cartel de Medellin, Ramon Milian Rodriguez, testemunhou ter canalizado cerca de US$10 milhões para os contras da Nicarágua através do antigo operacional da CIA Felix Rodriguez, o qual actuava na Base da Força Aérea de Ilopango, em El Salvador. Os contras proporcionavam tanto protecção como infraestrutura (aviões, pilotos, pistas de decolagem, companhias de fachada e bancos) a estas redes de droga ligadas à CIA. Pelo menos quatro companhias de transporte sob investigação para tráfico de droga receberam contratos do governo dos EUA para transportarem abastecimentos não letais para os contras. A Southern Air Transport, "antigamente" de propriedade da CIA, e depois sob contrato do Pentágono, também estava envolvida no transporte de droga. Aviões carregados de cocaína voaram para a Flórida, Texas, Lousiana e outros locais, incluindo várias bases militares designadas como "Contra Craft". Estes carregamentos não eram inspeccionados. Quando alguma autoridade não estava ciente e fazia uma prisão, influências poderosas eram postas em marcha a fim de abafar o caso, libertar, reduzir a sentença ou a deportação.
DÉCADA DE 1980 AO PRINCÍPIO DA DE 1990, AFEGANISTÃO
A CIA apoiou os Moujahedeen pesadamente ligados ao tráfico de droga enquanto combatiam o governo apoiado pelos soviéticos e os seus planos para reformar a muito atrasada sociedade afegã. O principal cliente da agência era Gulbuddin Hekmatyar, um dos principais senhores da droga e o principal refinador de heroína. A CIA forneceu camiões e mulas, as quais tendo carregado armas para dentro do Afeganistão, eram utilizadas para transportar ópio para laboratórios ao longo da fronteira afegã-paquistanesa. A produção abastecia a metade da heroína usada anualmente nos Estados Unidos e três quartos daquela usada na Europa Ocidental. Responsáveis dos EUA admitiram em 1990 que não haviam investigado ou actuado contra a operação da droga pelo desejo de não ofenderem seus aliados paquistaneses e afegãos. Em 1993, um responsável da DEA denominou o Afeganistão como a nova Colômbia do mundo da droga.
MEADOS DA DÉCADA DE 1980 AO PRINCÍPIO DA DE 1990, HAITI
Enquanto trabalhava para manter no poder líderes políticos e militares haitianos, a CIA fechava os olhos ao tráfico de droga dos seus clientes. Em 1986, a agência acrescentou mais alguns nomes à sua folha de pagamentos ao criar uma nova organização haitiana, o National Intelligence Service (SIN). O SIN foi criado alegadamente para combater o comércio de cocaína, embora os próprios responsáveis do SIN empenharem-se no tráfico, um comércio com a cumplicidade de alguns dos líderes militares e políticos haitianos.

[*] Autor de Killing Hope: U.S. Military and CIA Interventions Since World War II, Les Guerres scélérates e L'Etat voyou O original encontra-se em http://revolutionra dio.org/2008/ 08/30/the-real-drug-lords/ Este artigo encontra-se em http://resistir. info/ .

O título e entrada são de minha responsabilidade.
Agradeço, pelo envio deste artigo ao meu e-mail, JB.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

A farra financeira consensuada pelas elites

CAPITALISMO EM CRISE
A farra financeira consensuada pelas elites


Enquanto a mídia corporativa brasileira fala em crise, há décadas ativistas e intelectuais denunciam caráter explorador do sistema financeiro. Enquanto especuladores e banqueiros alimentam-se da desordem mundial da globalização financeira, trabalhadores em todo o planeta arcam com custos da “economia de cassino” dos EUA.

Leia artigo completo:
http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15250&boletim_id=459&componente_id=8197

Editores da carta maior, obrigado pelo envio do artigo. JB

O resgante de todos os resgates: golpe de Estado cleptocrata nos EUA

CAPITALISMO EM CRISE (I)
O resgate de todos os resgates: golpe de Estado cleptocrata nos EUA

O governo dos EUA mudou radicalmente o caráter do capitalismo norte-americano. Trata-se, nem mais nem menos, de um “golpe de Estado” a favor da classe que Franklin Delano Roosevelt chamava de “bancgsters”. O que aconteceu nas últimas semanas pode alterar o curso do século que começa de maneira irreversível. Estamos diante da maior e mais desigual transferência de riqueza desde que se presentearam terras aos barões das ferrovias na era da Guerra Civil. A análise é de Michael Hudson.

Mais pormenores em http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15245&boletim_id=459&componente_id=8198

Editores da carta maior, obrigado pelo envio do artigo

A crise do capitalismo e a esquerda

Nova crise do capitalismo, ao estilo da de 1929, as teses do capitalismo de cassino se confirmam, o Estado norte-americano se contradiz uma vez mais e intervêm pesadamente, demonstrando que sua confiança no mercado não era tão grande como sua propaganda exibia. O capitalismo neoliberalismo mostra suas vísceras, as teses da esquerda se confirmam, de critica – keynesiana ou anticapitalista – ao neoliberalismo.
Por Emir SADER*
Os esquerdistas damos risada, confirmadas as nossas teses sobre o caráter anti-social e talvez terminal do capitalismo, esfregamos as mãos ansiosos pela conseqüências sociais e políticas da crises.
Deveríamos? Ou talvez devêssemos perguntar-nos quão preparados estamos para enfrentar essa nova crise com alternativas de esquerda? Não apenas teses, mas força social, política, ideológica, para disputar a hegemonia em crise. Para perguntar-nos se as medidas que os governos tomarão representarão mais sofrimento para os povos, mais desespero, abandono, desemprego, informalidade, sem que possam ver que haveria alternativas? uuuuuuuuuuuSe nos limitamos a um papel intelectual, a ser críticos do capitalismo, a nova crise é um prato cheio. Podemos regozijar-nos e despejar todos os dias e semanas novos textos que prevêem – "como já havíamos escrito" – o fim do capitalismo para daqui a pouco tempo.
Mas todo catastrofismo se equivoca. Nos anos 30, a Internacional Comunista aderiu às teses do economista Emilio Varga, que retomava as teses de Lênin par diagnosticar que a crise de 1929 levava o capitalismo, finalmente, à sua etapa final. Conforme o New Deal resgatou o capitalismo de si mesmo, foi introduzida a categoria "segunda fase da etapa final do capitalismo" . Já deveríamos estar na quinta ou sexta fase atualmente.
Giovanni Arrighi recorda como, nos anos 70, a discussão não era sobre o fim do capitalismo, mas quando, onde e como terminaria o capitalismo – tema que aparentemente era assumido até mesmo pelos teóricos do capitalismo.
No entanto, como o próprio Lênin nos recorda, o capitalismo não cai, nem cairá, se não for derrubado – como demonstraram os processos revolucionários que terminaram com o capitalismo, temporal ou definitivamente. Não cai por si mesmo e até mesmo demonstra capacidade de recuperação. Quem diria que a pátria de Lênin, da primeira revolução operário-camponesa da história da humanidade, veria restaurado o capitalismo, numa versão mafiosa?
Quem diria que os Estados Unidos, "feridos de morte" pela crise de 1929, comandariam o maior e mais profundo ciclo longo expansivo do capitalismo da sua história – sua "era de ouro", segundo Hobsbawn – no segundo pós-guerra, pressionando a URSS e derrotando-a tecnológica e economicamente, antes de favorecer sua implosão política?
Não digo isto para ser caracterizado como disseminador de visões apologéticas do capitalismo ou para alentar o desânimo, mas para cumprir a saudável afirmação de Brecht, de que "devemos tomar o inimigo pelo seu lado mais forte", para não nos enganarmos sobre as condições reais de luta contra ele, para não subestimar suas forças e, principalmente, não superestimarmos as nossas forças.
A cada crise que a esquerda enfrenta dando risadas e esfregando as mãos, entra e sai mais derrotada ainda, porque se contenta com a contemplação dos últimos dias de uma Pompéia capitalista, que insiste em sobreviver, graças à falta de alternativas – teóricas e políticas –da esquerda. Dessa mesma esquerda que parece acreditar que, finalmente, um dia, não muito longínquo, os povos do mundo se convencerão de suas teses apocalípticas, sem ter construído-as como força econômica, social, política e ideológica.
Por enquanto – como dizia Marx da pequena burguesia -, parece que o povo ainda não está maduro para entender as teses de uma esquerda que se contenta consigo mesma, com nossas maravilhosas teses que nos dizem que a longo, médio ou curto prazo, inevitavelmente a história revelará que caminha para o socialismo.
Pouco terão aprendido das viradas – revolucionárias e contrarevolucioná rias – do século XX, seguem esperando passar o cadáver do nosso inimigo, em lugar de preparar meticulosamente a realização dos nossos sonhos e das nossas utopias, como recomendava o realismo revolucionário de Lênin.

http://port. pravda.ru/ mundo/24523- capitalismocrise -0 * Emir SADER é um dos académicos e intelectuais brasileiros defensor da igualdade social, em seus escritos.

O artigo foi enviado pelo editor do Pravda.Ru, Timothy

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Manhenje: exemplo de um ex-ministro-habitante?

Na tarde de segunda-feira, 22, o deputado Manuel de Araújo e o activista de direitos humanos Custódio Duma relataram-me, por e-mails, a detenção do ex-ministro do Interior, o piloto-voador Almerino Manhenje, por alegadamente ter usurpado milhões de meticais do Estado moçambicano. Dia seguinte, confirmei a notícia, pelos jornais electrónicos moçambicanos.

Por ocupações extra-blog, não os comentei na hora neste espaço cosmo-electrónico.

Já que, semana passada, afirmei que, em Moçambique superabundam mais habitantes que cidadãos, achei por bem fazer a seguinte pergunta: Fazendo fé aos motivos que levam o ex-ministro aos calaboiços, ele terá sido um ministro-habitante ou ministro-cidadão?

Releia o que escrevi neste espaço, semana passada:

(...)
“Até hoje, ainda que não recorra à frescura dos mantos da divinizada academia secular, nada torna proibitivo afirmar que habitante tem, em princípio, ligação intrínseca com um dado biológico: nasce, cresce, alimenta-se, reproduz e morre. E, não fica por aí. Acumula, igualmente, comportamentos vegetacionais: vegeta, maquina pensamentos depravados e, por consequência, executa-os, inescrupulosamente.

Contudo, cidadão, para além dos atributos biológicos de habitante (menos, regra geral, o de vegetar e o de maquinar pensamentos depravados e, por consequência, executá-los inescrupulosamente), tem consciência de seus direitos e deveres, participando racionalmente, numa base ética, das decisões e do desenvolvimento de seu meio familiar, interpessoal, comunitário, nacional e internacional.

(...)

As atitudes de dilapidação do Estado, praticadas pela maioria dos governantes de Moçambique, desde o ano da Independência Nacional, até aos dias que correm, mostram que eram ou são governantes-habitantes ou governantes-cidadãos?”
A resposta pode ser esta: caso sejam verdadeiras as acusações que caem sobre Manhenje, não terei dúvidas algumas em afirmar, categórico, que ele é exemplo de um ex-ministro-habitante.
Assim, vai o país-macambúzio.

Até breve, Josué Bila

terça-feira, 23 de setembro de 2008

O mundo deve unir-se contra os EUA

Por Timothy BANCROFT-HINCHEY

A retórica anti-Russa que rola pelas línguas fora dos membros sênior do regime de Bush, e a contínua histeria anti-Russa que sai da base de campanha McCain-Palin, apontam para a existência de um demónio à espera de se mostrar num país que parece adorar conflitos e perpetuar a existência do clique sedento pelo poder, pela manipulação do medo.
A posição agressiva tomada contra a Rússia por Condoleeza Rice, Richard (Dick) Cheney, John McCain e Sarah Palin (e naturalmente o próprio George W. Bush, embora a ele se tem que lhe dar um desconto) depois das suas forças americanas ajudarem as forças armadas da Geórgia no acto assassino de agressão contra os russos na Ossétia do Sul (além de planejar um ataque semelhante contra os russos que vivem na Abcázia) é, mais do que o sentimento de fúria pelo lado que perdeu e que foi absolutamente humilhado pelo tamanho da vitória da Rússia, uma amostra valiosa da alma daqueles que controlam Washington, seja eles burros (símbolo do Partido Democrata) ou elefantes (Republicanos).
O lançamento da doutrina de Bush
Os eventos no "9/11" deram a Washington uma oportunidade maravilhosa de lançar a doutrina de Bush, que não é mais nem menos do que a doutrina Rumsfeld/Cheney - anti-Rússia, pro-lobby de energia. Enquanto os Democratas com Presidente Obama apresentam uma possibilidade real de refrescamento, de mudança real - diálogo entre os membros da comunidade internacional, debate e discussão com o Conselho de Segurança da ONU sendo usado como o devido fórum para a gestão de crises, e não guerras e atos unilaterais de chacina baseados em mentiras, o "acampamento" de Obama viu-se obrigado a aceitar a imposição de Joe Biden como Vice-Presidente … e o que Biden representa, a saber, uma continuação da política externa de Washington.
Esta política externa procura isolar a Rússia enquanto os contratos na área da energia são assinados com ex-membros da União Soviética e enquanto Washington considera com olhos de avidez as regiões ricas em gás natural e petróleo nas fronteiras da Rússia. Mullah Omar, do Afeganistão, recusou permitir que os EUA construísse um gasoduto através do seu país em troca de biliões de dólares, e declarou ainda nos anos 90 (antes do 9/11) que soube que Washington inventaria uma razão para invadir - isso, depois de criar o Mujaheddin para desestabilizar um país com um governo socialmente progressivo que queria ter a oportunidade de distribuir a riqueza entre seu povo.
Os tentáculos do Império do Mal espalham-se pelo globo
Contudo é não somente na Rússia onde os tentáculos do Império do Mal são vistos e sentidos. Após décadas de um bloqueio cruel e criminoso contra o povo heróico da Cuba, uma tentativa falhada de um golpe de estado na Venezuela, seguido por uma revolta armada na Bolívia, países onde os governos juraram distribuir os recursos naturais do país entre os povos, são sinais claros que todas as estradas más conduzem a Washington, onde a fonte do fedor se encontra. Não são as pessoas em que Washington está interessado, mas sim seus recursos.E a mesma doutrina e políticas podem ser seguidas onde quer que Washington esteja através do globo, desde a sustentação de regimes criminosos, assassinos e fascistas na África e Ásia… até a Europa, onde os fantoches da OTAN - "aliados" - são jogados com e manipulados, tiranizados e amimados com diplomacia do tipo "cenoura e vara", sendo os Balcãs a arena onde Washington joga, dividindo e regendo. Os líderes de Europa olham a Washington como um amigo e um aliado contudo em Washington, o Estabelecimento deve rir à gargalhada por causa do servilismo hipócrita e humilhante dos líderes da OTAN.
O problema não é a Rússia
Então o problema não é a Rússia. A única coisa que a Rússia queria sempre era a paz, e empenhar-se em laços internacionais baseados na colaboração, cooperação, relações culturais, desportivas e numa palavra só, amizade. O quê é que a Rússia deveria fazer no caso do Afeganistão, quando viu - com horror - a libertação do Demônio pela CIA nos madrassah de Paquistão, nomeadamente a formação, financiamento e cumplicidade com os Mujaheddin, que se transformaram depois nos Talebaan e o lançamento do terrorismo internacional?
A Rússia inventou mentiras e invadiu o Iraque? A Rússia quebrou a lei internacional, reconhecendo Kosovo? Não foi a Rússia eternamente paciente com o Geórgia apesar do fato que este país não realizou referendos em Abcázia e em Ossétia do Sul de acordo com a sua obrigação sob a Constituição soviética, que assinou, a Rússia não procurou uma solução que agradasse a todos os intervenientes durante quase duas décadas? E o quê é que a Rússia poderia fazer quando Tblissi e seus mestres dos E.U.A. lançaram seu ato da chacina, transformando Tskhinval num inferno na noite de 7/8 de Agosto? Colocar sua mão no peito e cantar Deus abençoe a AmériKKKa?
Rússia, consequentemente, não é o problema, mas sim a solução
Moscovo representa um aliado estável com uma economia forte baseada em fundamentos fortes, não o sistema monetarista capitalista idiota patrocinado por Washington, onde os mercados são controlados de perto por uma pequena associação de elitistas ricos e onde os fundamentos são constituídos pelo jogo e pela especulação. Então, depois imaginem quem paga as contas? Os ricos ou os que lutam pela sobrevivência através do seu trabalho? Moscovo representa um mundo baseado em relações fraternais, que usam os princípios de debate, de discussão e de diálogo entre a fraternidade das nações, no Conselho de Segurança da ONU, num mundo que vive, feliz, na estabilidade económica, que vive na amizade e paz, duas palavras que iriam sufocar as gargantas daqueles que controlam Washington.
O caminho pela frenteApesar do comportamento grosseiro de Washington como um execrável pirralho estragado de mimos, gritando, dando ponta-pés, mordendo, e sendo geralmente insolente, desagradável e extremoso, os corações e mentes do os membros inteligentes da comunidade internacional não odeiam todos os norte-americanos. As pessoas são pessoas. As lágrimas sabem a sal e todos nós preferimos chorar lágrimas de felicidade. O caminho pela frente é que alguém em Washington efectue mudança real, não apenas na maneira em que as coisas são feitas internamente no Estados Unidos da América (isso pertence a eles, e a eles só) mas também, e fundamentalmente, numa atitude fresca e nova nas relações internacionais num mundo cada vez mais globalizado.
Introduzir pessoas como John McCain e Sarah Palin não vai fazer nada no sentido de abrir a janela e refrescar o ar após oito anos de fedor das políticas criminosas assassinas do regime de Bush-Cheney- Rumsfeld (lá por trás)-Rice. McCain representa uma continuação da política que pendure demónios perante os olhos do povo norte-americano, baseando a apresentação das políticas na manipulação do medo. Diz que a Sarah Palin é uma boa escolha porque é Governadora do Alaska, e esse estado está próximo à Rússia. Não tem graça nenhuma. Se não fosse tão perigoso um palhaço deste calibre apresentar-se para a presidência de um do mais poderosos países do mundo, seria totalmente patético. Quanto à Palin – o que acontece se McCain morrer?
A mudança fundamental que a comunidade internacional precisa para tomarmos juntos nossos primeiros passos no terceiro milénio - como amigos, e não perpetuando rixas velhas e animosidades antigas, tem dois nomes: Barack Obama, não Biden. Biden pode passar os primeiros quatro anos da sua vice-presidência a ver o que acontece, enquanto o Presidente Obama, esperemos, faz o suficiente para garantir um segundo termo em que execute realmente as suas políticas. Nós temos um sonho.
Até lá, Washington continuará a ser um pirralho beligerante que precise de uma tareia das antigas, antes de ser atirado sem cerimónias para a rua, onde pertence.
Nota
Obrigado, Timothy pelo envio do artigo

Pesquisador está construindo mapa sobre a mídia alternativa no mundo

O Atlas da Mídia Alternativa já conta com mais de 30 veículos, da América do Sul, do Norte, Europa e África. A iniciativa é do doutorando da Universidade de Rennes 1, na França, Benjamin Ferron.
O responsável por cadastrar os dados dos veículos alternativos brasileiros e dos países vizinhos é o jornalista Chico Sant'anna.
Chico explica que Ferron já vem desenvolvendo trabalhos sobre a mídia alternativa. A primeira iniciativa do pesquisador foi disponibilizar na internet uma bibliografia de trabalhos referentes a este tipo de imprensa. A tese dele é sobre o papel das mídias alternativas nos processos de autonomia dos territórios Palestinos e de Chiapas, no México.
Acesse o mapa em construção em http://maps. google.fr/ maps/ms?ie=UTF8&hl=fr& oe=UTF8&msa= 0&msid=112584705 072733905782. 000455856e71585b474ef .
Dados sobre mídias alternativas devem ser enviados para o e-mail chicosantanna@ hotmail.com,com o nome do veículo e um breve relato acerca do seu propósito, seja impresso, rádio, TV e internet.

sábado, 20 de setembro de 2008

Capitalismo em crise: Agora, regulação é apontada como única saída

O ex-presidente Ronald Reagan eliminou os controles governamentais sobre uma ampla gama de instituições e instrumentos financeiros, em consonância com sua fé no livre mercado. Reagan gostava de ilustrar sua política desreguladora com a frase: "o governo não é a solução, mas sim o problema". Em 1999, a Lei de Modernização de Serviços Financeiros eliminou controles financeiros impostos desde os tempos de Franklin Delano Roosevelt. As conseqüências estão aí.

Leia mais em:

http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15243

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QUO VADIS GUINÉ-BISSAU? Novos rumos no país de Amílcar Cabral

Carlos Cardoso*

A Guiné-Bissau, um país de cerca de um milhão e meio de habitantes e do tamanho da Suíça, contava, nos anos setenta, dentre os países com maior índice per capita de ajuda ao desenvolvimento. O enorme prestígio de que gozava no seio da comunidade internacional fundamentava-se num certo número de opções assumidas pelas autoridades políticas de então, que podiam servir de exemplo a vários títulos. Apesar de ter optado por uma economia planificada, e mantendo-se fiel à política de não-alinhamento e ao pensamento de Amílcar Cabral, o país nunca chegou a declarar o marxismo-leninismo como ideologia de Estado, como fizeram os seus “companheiros de luta” de Angola e Moçambique. Até a primeira metade dos anos 80, e apesar das deficiências registadas aqui e acolá, o país deu provas de utilização criteriosa das ajudas internacionais; Tinham sido alcançados progressos significativos nos domínios sociais, nomeadamente no que respeita à taxa de escolarização e de alfabetização, à esperança de vida à nascença e ao índice de mortalidade materno infantil.

Mais detalhes no http://www.pambazuka.org/pt/category/features/50153

*Filósofo, Pesquisador e Diretor Executivo no Codesria - Dakar, Senegal.

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Bolívia: uma guerra que começou há muito tempo

O economista boliviano Ramiro Lizondo Dias afirma, em artigo assinado por ele no jornal electronico brasileiro, carta maior, que os conflitos que a Bolívia enfrenta hoje são uma nova etapa de uma antiga guerra. A história do país, segundo ele, é uma história de massacres de indígenas, camponeses e trabalhadores, desde os tempos coloniais até hoje. A diferença, hoje, é que a oligarquia boliviana está sendo governada por um "índio", algo inaceitável para ela.

Leia artigo completo em http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=15239&boletim_id=458&componente_id=8185

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sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Moçambicanos: habitantes ou cidadãos?


Em meio ao debate moçambicano, vítima da nudez intelectual e preconceito político-ideológico, posso parecer herético e reaccionário-oposicionista, ao afirmar que, no nosso país, superabundam habitantes que cidadãos. Meu argumento básico surge da supernotável diferença comportamental entre habitantes e cidadãos. Moçambique tem um pouco mais de 20 milhões de habitantes. Isso não pressupõe que tenha, em essência, igual número de cidadãos, porém. Este texto tenta falar dos comportamentos vegetacionais dos habitantes moçambicanos, descaminhados do agir ético de cidadãos.strong>

I
Desçamos, com calma! Até hoje, ainda que não recorra à frescura dos mantos da divinizada academia secular, nada torna proibitivo afirmar que habitante tem, em princípio, ligação intrínseca com um dado biológico: nasce, cresce, alimenta-se, reproduz e morre. E, não fica por aí. Acumula, igualmente, comportamentos vegetacionais: vegeta, maquina pensamentos depravados e, por consequência, executa-os, inescrupulosamente.

Contudo, cidadão, para além dos atributos biológicos de habitante (menos, regra geral, o de vegetar e o de maquinar pensamentos depravados e, por consequência, executá-los inescrupulosamente), tem consciência de seus direitos e deveres, participando racionalmente, numa base ética, das decisões e do desenvolvimento de seu meio familiar, interpessoal, comunitário, nacional e internacional.

Embora perceba e reconheça a existência de “classes cívico-biológicas”, que intermediam habitantes e cidadãos, não farei o tratamento devido, nestes parágrafos. Fica, possivelmente, a minha dívida, para liquidá-la em próximas maquinações intelecto-cidadãs. Apenas, quero, aqui e agora, tratar dos dois extremos: habitantes e cidadãos.

Posto isto e a título exemplificativo-indagatório, um deputado toscanejador e bocejador, em plena sessão parlamentar, que até chega a esquecer o seu círculo eleitoral, é deputado-habitante ou deputado-cidadão? Tripulantes que, propositadamente, deixam a música ao som alto, causando problemas ao sistema nervoso dos passageiros, são tripulantes-habitantes ou tripulantes-cidadãos? As atitudes de dilapidação do Estado, praticadas pela maioria dos governantes de Moçambique, desde o ano da Independência Nacional, até aos dias que correm, mostram que eram ou são governantes-habitantes ou governantes-cidadãos? Justiça e Juizes que, em plena sessão de julgamentos, julgam os réus, numa base preconceituosa e injustiçam os pobres e fracos, são juizes-habitantes ou juizes-cidadãos? Presidente da República que, para deslocar-se, em missão de trabalho, até 75 quilómetros de sua residência oficial, aluga helicópteros (já é conhecido o défice orçamental de Moçambique), é presidente-habitante ou presidente-cidadão? Um casal de namorados que, sempre e sempre, em fins-de-semana ou tempo de passeio, encontra-se para estar em um restaurante ou lanchonete para comer, alcoolizar-se ou tomar bebidas suculentas, e nunca vai, em nome da cidadania intelectual e cultural, a uma exposição artística, museu, publicação de um livro ou nunca lê é casal de namorados-habitantes ou namorados-cidadãos? Continuo a apelar à calma!

II
Há, no parágrafo supramencionado, seis perguntas, inevitavelmente. A cada pergunta aplica-se a mesma resposta: não são cidadãos. O deputado, os tripulantes, os governantes, os juizes, o presidente da República e os namorados são habitantes, certamente, por não reunirem os requisitos atitudinais e comportamentais de um cidadão (para se ser cidadão não basta ter nascido e ter uma casa de alvenaria, viaturas, perfumes, gravatas, nível superior, escritório, cadeira giratória e mais; é preciso, no mínimo, ter valores espirituais e éticos, respeitar o semelhante na mesma proporção que desejamos ser respeitados; respeitar os bens colectivos e as leis republicanas, defendendo sempre o bem-estar de todos e tudo que pauta pela ética; investir no conhecimento e na leitura de fenómenos, visitar as casas artísticas, musaicas, livreiras e espirituais). Abaixo, estende-se alguma fala sobre comportamentos vegetacionais de habitantes.

Detenha-se nas definições “habitante” e “cidadão” e compare seus comportamentos, no dia-a-dia. Ao fazer isso, é muito fácil concluir que aquelas seis categorias exemplificativas são encostáveis à figura de habitantes e não de cidadãos (regra geral, países que congregam mais habitantes que cidadãos são mais pobres ou empobrecidos do que os que congregam cidadãos. Os habitantes, sempre que ensaiam pensar, pensam curto. Coloco abaixo cinco exemplos:

Exemplo 1: Vejam os Planos de Acção para a Redução da Pobreza Absoluta, em Moçambique, que são desenhados para um quinquénio, apenas. O que mudam, realisticamente?
Exemplo 2: Vejam a miserabilidade e nudez cívica, patriótica e intelectual da maioria deputados “eleitos” pelos seus partidos – no parlamento moçambicano só vegetam, bocejando e toscanejando.
Exemplo 3: Vejam a arrogância do Partido no Poder, que nega a inclusão de outros partidos ou outros segmentos sociais no estrutura de poder governativo e esfera do Estado - a não ser quando a lei assim o obriga: Conselho Constitucional, Conselho de Estado, Assembleia da República...
Exemplo 4: Vejam os professores que fazem reprovar alunos brilhantes só porque leram ou lêem mais que eles ou professores que fazem reprovar alunas que negam oferecer-lhes os seus corpos para prazeres turístico-sexuais, em meio à depravação moral.
Exemplo 5: Um órgão de comunicação social, furtando-se de contratar jornalistas, de facto, para melhor desempenharem a profissão, recruta cantoras play back e outros pré-intelectuais e inconvenientes profissionais, só vem qualificar a minha tese: esse é um órgão de comunicação social-habitante, porque contrata pessoas intelectualmente inexistentes. Jornalismo é conhecimento racional e filosófico, que se aprende e se apreende por longos anos de infância, adolescência, juventude e vida adulta. Ninguém é jornalista só porque anda com microfone, gravador e bloco ou porque nas referências nacionais e internacionais é belo/a. Jornalista é um ser pensante - ofereço minha cabeça para ser degolado, em Natal próximo, caso seja errante, neste começo de século. Os cinco exemplos mostram o quão habitante é o nosso poder político, classe alta e média. Podem não aparentar isso, por causa das gravatas, viaturas, casas de alvenaria, perfumes e tantas coisas perecíveis de que a sua arrogância brada aos céus. Sublinho a minha tese: esses são, efectivamente, habitantes.

III
Continuemos pelo deputado. Se o deputado toscaneja e boceja, bastas vezes, em plena sessão parlamentar, significa que não está a responder às exigências de um parlamentar: debater ideias sobre a vida nacional, regional e internacional, confrontar colegas sobre os destinos de Moçambique, numa base argumentativa e ética, propor e produzir leis, fiscalizar a acção governamental e mais.

O bocejar e o toscanejar são um escândalo no poder legislativo e denunciam o estágio habitante do deputado, que se ocupa desse comportamento vegetacional - em suma, o deputado-habitante não pode tomar decisões racionais, com vistas ao desenvolvimento do país, porque está preso a uma condição vegetacional: a de habitante. Pode-se estar próximo de resposta realística, se se disser que o deputado assenta no Parlamento, para justificar a sua desempregabilidade, salário e regalias e não com a agenda de Moçambique actual. Esse deputado está, de facto, a cingir-se com comportamentos vegetacionais de um habitante. É perigoso, para a sanidade política, legislativa e social moçambicana, que tenhamos deputados-habitantes. Moçambique, para que se chame liberdade, tal como o hino nacional deixa propagar, precisa de se libertar desse tipo de deputados. Moçambique necessita de deputados-cidadãos, para caminhar à liberdade.

IV
Os nossos tripulantes, esses que gerem os famosos chapa 100 (autocarro ou micro-autocarro privado para transporte de passageiros), são dos exemplos do que este texto já retratou de comportamentos vegetacionais. Sempre que lhes convir, emitem som alto nos autocarros ou micro-autocarros, provocando problemas ao sistema nervoso - há quem sempre reclama pela saúde que vai sofrendo, porque à medida que os aparelhos emitem o som, através de suas grandes colunas, montadas depois da compra daqueles transportes de passageiros. Mais: Um outro comportamento que torna os nossos tripulantes de habitantes é o de ingerir bebidas alcoólicas, em plena viagem. Este comportamento denuncia a irresponsabilidade humana e profissional dos nossos tripulantes, ao não respeitar a actividade pública que exercem: fazer transportar passageiros, mais do que um emprego, é um acto de civismo e responsabilidade cidadã e social. Em nosso Moçambique é extremamente difícil deparar-se com motoqueiros e ciclistas que andem com capacetes: ao não ser portador de capacete mostram simplesmente que são motoqueiros-habitantes e ciclistas-habitantes.

O comportamento dos tripulantes, motoqueiros e ciclistas indica, sem reservas, que ainda se encontram num estágio habitante, faltando-lhes séculos para catapultar a situação de cidadãos. Ser cidadão não é um dado, como um habitante (bastou nascer para ser contado pelas estatísticas); ser cidadão é um construído ético e racional, que leva seu tempo e investimento. Quantos anos levaremos, no nosso anónimo Moçambique, para termos tripulantes-cidadãos, motoqueiros-cidadãos e ciclistas-cidadãos?

Penso que já disse o básico. Pouparei palavras, então. Não estenderei alguma fala sobre os governantes, os juizes, o presidente da República, os namorados e tripulantes.

V
O que torna as seis categorias em habitantes é a forma como gerem o seu dado biológico – nascem, crescem... Uma das características de um habitante, em nosso meio, é a sua vida em simulacro: tem valores éticos degradados e é bastante subdesenvolvimentista, na forma como encara as coisas e o mundo que o rodeia. O habitante não fica indignado com a sua indignidade ética, porque encontra-se assombrado pelo prazer do imediatismo e do consumo degradante. O habitante sempre está a comprar mais aparelhos de som de alta qualidade, carros e roupas igualmente ostensivas para a família, mas em momento algum lembra-se de comprar materiais espirituais, como uma gramática e demais livros para ele e os seus filhos, acompanhando o conhecimento e fazendo planos dignificantes e não cosméticos e de pouca duração. Nestas condições, é muito difícil que ele e suas crianças se tornem cidadãos. Aparentemente o são, porque tem carros, aparelhos, tem bom salário e as crianças estudam em colégios caros; mas, em essência, ele e as crianças são vegetadores, porque lhes falta a componente de sanidade ética, espiritual e cultura do intelecto. Regra geral, num dia de chuva, um habitante, à semelhança dos já caracterizados, conduz seu carro a uma (alta) velocidade; e vai, propositadamente, aspergindo água em transeuntes. Desrespeito e provocação são uma das características dos habitantes.

VI
Depois de ter argumentado e demonstrando que em Moçambique superabundam habitantes que cidadãos, não sei se posso continuar a parecer herético ou reaccionário-oposicionista.

Assim, em face ao descrito, deixo uma proposta: comecemos, hoje, a industrializar bugalhos-habitantes; amanhã, longínquo, transformar-se-ão em alhos cidadânicos, certamente. Deste modo, Moçambique vai tornar-se liberdade. Hoje, Moçambique é antónimo de liberdade. O que é indesejável. O desejo é que Moçambique seja liberdade. Liberdade significa aceitarmos ser dominados pela ética e respeitarmos o nosso próximo na mesma proporção que desejamos ser respeitados e cumprir as leis republicanas, construindo e solidificando aquilo que o filósofo Emmanuel Kant apelidara de “República Moral”.

Penso que onde há liberdade, há cidadãos. Onde há liberdade e cidadãos, os habitantes estão em extinção.

Neste começo de século, o maior desafio de Moçambique actual é montar uma indústria de transformação de um pouco mais de 20 milhões de habitantes em igual número de cidadãos. Quem fará isso, se dos órgãos de soberania até ao simples sapateiro de rua, passando pela academia, partidos políticos, comunicação social e desembocando à eclesia, andam, de um modo geral, vegetando em seus “currais”, como se de suínos se tratasse?
Sim, os mocambicanos sao, de um modo geral, habitantes. E nao cidadaos.

Por Josué Bila

Crianças de Pebane nunca sonham...

Nunca...Nunca é o advérbio de negação que mais soa da boca da maioria das crianças de lá do distrito de Pebane, província da Zambézia, quando perguntadas se os pais falam livremente com elas. “Nunca” também escutaram e participaram de um programa infantil de Rádio e “nunca” ouviram falar da Organização dos Continuadores de Moçambique e muito menos do Parlamento Infantil (PI). “Nunca” foram ouvidas pelo Governo, nem distrital, nem provincial e nem central sobre as políticas públicas, desenhadas para o desenvolvimento integral de sua personalidade. A Rádio local opera 77 horas, por semana. Destas horas, apenas duas são destinadas a um programa infantil. O núcleo do PI, com 50 deputados, existe há apenas 2 anos e já reclama a subestimação cívíco-política a que está sujeito pelos órgãos governamentais locais. É neste ambiente que crescem as crianças. Para se chegar lá, via terrestre, da capital Quelimane, percorre-se 350 Km. O censo último, em dados preliminares, contabiliza 186,330 habitantes.

Entrando em Pebane
De mochila às costas, o jornal ZAMBEZE desembarca próximo da Pensão Pebane, ao sopro e sol quente de tarde de terça-feira (8). Da capital provincial, Quelimane, para Pebane, percorreu 350Km, ido de Maputo. Viagem essa nada humana, nem urbana, nem rural. Talvez, será inesquecível, por isso. Feita num camião médio, de marca toyota canter. Cuidem-se: o camião ensardinhou, das quatro de madrugada às 12 horas, 45 pessoas – crianças, mulheres, jovens e homens, para além de bagagens rurais. É desta maneira que se viaja até lá, ida e volta, naquele transporte. E, muito provavelmente, lá se chega e se vive, quando o interesse não tenha sido possível satisfazê-lo em um outro lugar. Assim é Pebane: na falta do melhor, o pior serve... Pebane.

A estrada é, em mais de 200km, de terraplenada; poeirenta e representando a pobreza e ruralidade de seu destino. Pebane é provinciano demais. Verdadeiramente rural. Nada lembra a dinâmica de urbanidade e de desenvolvimento rural, em moldes do Sec. XXI. É um distrito não-infraestruturado, para (re)toques de desenvolvimento. Pobre, do cabelo até às unhas das suas gentes. De um modo geral, as paredes externas dos edifícios (coloniais) da rua principal, quando perguntadas a sua cor inicial, não respondem. Se quiserem responder, dirão que estão pálidos e sujos. Só quem viveu no tempo colonial pode lembrar-lhes a cor. Ou, talvez quem tenha prazer em abstrações e lucubrações, pode referenciar a sua cor. Fora das suas praias, mariscos e fama das “lindas mulheres”, que colocam amuletos em suas lombas, para, segundo crença local, atrairem os homens aos delírios turístico-sexuais, em meio às prováveis depravações morais, o que leva e marca as pessoas em e para Pebane? Pelo menos, as escolas e os centros de saúde mostram que sonhos sociais há em Pebane.

Fala de Helena
Primeiros passos. Ao desembarcar, o ZAMBEZE palmilha o pedaço de terra da rua principal da vila distrital. Doutra faixa, esquerda, passam mais de uma dezena de crianças da escola primária local (24 de Julho). Elas inspiram-no. Galga, ao encontro delas. Ao meio, uma há, sem uniforme. Brota-lhe a curiosidadade de trocar um dedinho de conversa específica, com ela. Aliás, é para isso que escalou aquele micro-terráqueo moçambicano. Ouvir, escutar e falar com as crianças, para saber até que ponto elas gozam do direito à opinião e liberdade de expressão, na família, escola e instituições cívicas, democráticas e políticas.
Num ápice, ignora o cansaço de uma viagem de 350 km. Deixa os traços macambúzios de viagem. Vai fitando os seus olhos à menina, sem uniforme escolar, no meio de crianças uniformizadas. Apressa-se. Embrenha-se. E Sauda-a. Olá! Cumprimenta o repórter.

Com olhar tímido e aparentemente desconfiada, não responde. Insistência: Olá!!! “Ela não gosta de falar, tio”, usa da palavra Flora Jaime, 7 anos. “Ela não gosta de falar, quando é perguntada em língua portuguesa”, conta a menina Flora. Nisso, o ZAMBEZE lembra da lição lapidar do prof. moçambicano Brazão Mazula, segundo a qual “uma língua é expressão de uma cultura”. A frase controla o comportamento seguinte. Pede, imediatamente, que fale em sua própria língua. Para o efeito, Flora traduz, para a língua e cultura (muniga), com que aprende e apreende o mundo e deleita-se perante a sua rica cosmovisão.

Flora vai traduzindo. Mas, não é extrovertida. Apesar disso, cumpriu a missão de arrancar os pensamentos, expressões e sentimentos de Helena, que, em língua portuguesa, não sairiam. Assim, os nervos e o desconforto que uma língua desconhecida traz se tranquilizam: “Meu nome é Helena Manuel”, responde, em expressão titubeante. Curiosamente, desconhece a sua idade. Mas, pelo cálculo aleatório, embora traiçoeiro, porque baseado na conveniência não técnica, tem, mais ou menos, 11 anos. Estava descalça. O estado misantrópico do pé, dos dedos e das unhas denuncia duas hipóteses: ou não gosta do chinelo/calçado ou não o possui. Trazia uma saia preta e blusinha azul. A blusa tinha falta de um dos botões. Vive empenhada, com afazeres domésticos de sua família. Nada suaves. Helena está a ser preparada para ser mulher, aos moldes de ruralidade pebanensa.

Helena não vai à escola. “Eu vivia com a minha avó e ela nunca me matriculou”. Hoje, vive com os pais em Pebane. “Tenho sonho de estudar, para além de brincar na escola com(o) minhas amigas”.

Tal como o ZAMBEZE constatou, em conversa com Helena, o facto de não ir à escola e nem falar a língua portuguesa concorre para que não participe de actividades cívicas e político-infantis, experimentando o exercício ao direito à opinião e liberdade de expressão, através da Rádio Comunitária Muniga, Organização dos Continuadores, Parlamento Infantil e outros fóruns públicos, em resposta ao quase mundializado Estado de Direito Democrático. Outra: a socialização escolar poderia concorrer para a formação da personalidade da menina Helena, que o espaço escolar, as brincadeiras infantis com outras raparigas e rapazes e a relação professor-aluno proporcionam.

Mais: “nunca fui convidada a falar e participar de uma edição de Rádio Comunitária, nem do parlamento infantil”, para além de que “não sei da existência dos mesmos”.
Se fosses à Rádio ou ao Parlamento Infantil, hoje, que gostaria de dizer ou propor? Por duas vezes, foi dirigida esta pergunta e não emitiu palavra alguma. Já ouviu falar do PI, por exemplo? “Nunca”. E da Organização dos continuadores de Moçambique? “Nunca”.

Aparentemente, é uma menina traumatizada, cuja expressividade, mesmo em língua de sua cultura, é hesitante. O presente e o futuro de nossa interlocutora mostra o não gozo de direito à opinião e expressão (e outros direitos interdependentes) a que tem direito, em sua dimensão humana. Os traços faciais de suas respostas e marcas de seu semblante estão destituidos de entusiasmo e ventura.

No parlamento infantil, organização dos continuadores de Moçambique e Rádio comunitária, no caso moçambicano, fala-se em língua portuguesa, salvo raras e honrosas excepções. Esta realidade dá azo à colocação do também prof. moçambicano Armindo Ngunga segundo o qual a língua portuguesa é língua de exclusão social, porque, quem não a escreve e nem a fala, é, pela lógica das circunstâncias, excluido dos “jogos de integração social e nacional”. Assim, dá-se cartão vermelho e tranca-se o pensamento, sentimento e boca da pebanensa Helena, para que não se expresse em espaços constitucionalmente consagrados e (simbolicamente) nacionais, por não saber falar em língua portuguesa, imposta à sua realidade sócio-cultural e histórico-ancestral.
Família

As coisas não começam na escola e nem terminam no Parlamento Infantil e na Rádio Comunitária de Muniga. Passemos, então, para o que conta sobre a família, sobre a liberdade de conversa entre ela e os pais. “Os meus pais não têm o hábito de conversar comigo”.
Já perguntaram o que tu gostarias de comer, num almoço, por exemplo? “Nunca”. Na verdade, esta pergunta foi feita a todas as crianças entrevistas. E a resposta é “nunca”.

O ZAMBEZE deu oportunidade a Helena, para que expressasse algo que gostaria de falar aos seus pais, mas que nunca o disse. Ela permaneceu muda, entretanto.

Carbono João, o guia
Dia seguinte é 9. Pela manhã, o frio e o nevoeiro vão estremecendo os ossos dos Homens e crianças. Mas, o dia reclama a produtividade em Pebane. O sol solta raios quase raivosos. E, com força, vai animando os pebanenses. O ZAMBEZE aproveita a força dos raios. Anda à caça dos outros “nuncas” das crianças, quanto ao seu direito à opinião e liberdade de expressão. Não é propositado. Momentos há em que o negativo dá curiosidade. Em menos de 24 horas, em conversa com dezenas de crianças, percebeu que usam muito o advérbio de negação “nunca”. O “nunca” das dezenas de crianças está mesmo sumarizado em primeiro parágrafo deste texto: “Nunca” falam livremente com os pais. Também “nunca” escutaram e participaram de um programa infantil de Rádio e “nunca”, a maioria, ouviram falar da Organização dos Continuares de Moçambique e muito menos do Parlamento Infantil (PI). “Nunca” foram ouvidas pelo Governo, nem distrital, nem provincial e nem central sobre as políticas públicas, desenhadas para o desenvolvimento integral de sua personalidade.

Entra na Escola Secundária de Pebane. Os meninos já terminaram os testes. Descansarão alguma rotina. Saltitam. Outros sentam nos bancos distribuídos no recinto escolar e vão apanhando os escassos raios solares. Conversa com um deles. Carbono João Nomeado é seu nome. Tem 17 anos. Frequenta a 9ª Classe. Tem comportamento infanto-juvenil, à mistura de ruralidade e urbanidade pebanense.

Carbono conta que os seus pais falam com ele, quando têm interesse de lhe mandar algo ou sempre que o interesse lhes favorecer. “Coisas há que gostaria de falar aos meus pais, que nunca disse”.

Por que não falas? “Não me dão espaço e nunca me dão tempo pra falar”, reclama.
Alguma vez, foste perguntado o quer quer comer, no almoço ou no jantar, por exemplo? “Nunca”, assim respondia Carbono, cujo sonho é ser professor. Carbono é um adolescente de porte forte de, mais ou menos, 150 metros.

Já na escola, Carbono diz que os professores têm sido abertos, dando-lhe(s) espaço e tempo para expressar(em) suas opiniões.

Ele acompanha de perto o funcionamento do Parlamento Infantil, apesar de que não é deputado. É colega de escola e amigo de alguns deputados. E diz: “O PI é muito fraco, porque as suas actividades não são sistemáticas e nem conhecidas por milhares de crianças de Pebane”.
Carbono afirmou que “nunca” as autoridades do governo distrital ouviram as crianças sobre o que gostariam que fosse feito para o desenvolvimento integral de suas personalidades, limitando-se somente a fazer o que lhes convém.

Carbono, que aceitou gentilmente ser nosso guia por 2 dias, diz que, caso fosse possível falar ou propor algo em relação ao desenvolvimento de Pebane, através da Rádio, PI ou Continuadores, gostaria de apelar a construção de uma escola pré-uni-versitária.

Flora Jaime, a tradutora
Flora, 7 anos, frequenta a Escola Primária 24 de Julho. Traduziu... Também, disse “nunca” ter participado da Continuadores, PI e de uma edição de programa infantil da RCM. “Em casa ‘nunca’ os papás perguntaram o que desejo comer”.

Dara, Olida e Nove
Duas meninas também aceitaram conversar. Dara Fernandes, 12, diz lembrar que seus pais perguntaram que gostaria de comer só uma vez. Olida Justina, 14, respondeu “nunca” ter sido perguntada pelos pais o que gostaria de comer, mesmo em meio à fartura de alimentos em sua casa.

Dara é aluna de 7ª Classe na Escola Primária Josina Machel. E Olida é aluna da 8ª Classe, na Escola Secundária de Pebane. As duas felizmente já ouviram falar do PI, mas não sabem para que existe e nem tão pouco conhecem os seus representantes.

À semelhança de Carbono, Dara e Olida afirmam “nunca” terem sido ouvidos pelos “titios” governamentais sobre as suas vidas: escola, alimentação, jardim e programa radiofónico infantis, saúde, pais.

Para além das cinco crianças supremencionadas, que deixaram as suas ricas falas, o ZAMBEZE conversou com mais nove crianças. São elas, nomeadamente: Marcos Mateus (16 anos), BenediTO Fernando (16), Lídia Marcelino (15), Amilton Fernando (17), Carlito Inácio (16), Ivânia Nobre (14), Alima Issa (14), Urbai Nobre (15), todas alunas da Secundária local. A outra é Joaquim Gabriel, 9 anos, 5ª Classe e é aluno de Escola Primária 24 de Julho.

De um modo geral, as crianças lamentam o facto de os pais não criarem espaço familiar para que falem livremente. Outra lamentação prende-se com os políticos distritais que não criam oportunidades para que gozem, efectivamente, do direito à fala e liberdade de expressão.

Factores culturais
A professora da Escola Secundária de Pebane, Guilhermina da Lídia Francisco, aponta factores culturais locais como “grandes impeditivos” de liberdade de expressão em Pebane.

“Os pais de Pebane e não só não aprenderam e nem foram socializados para valorizar as crianças em sua dimensão humana”, afirma.

Da Lídia Francisco redimensiona sua afirmação dizendo que é por isso que os pais chegados à idade adulta dificilmente poderão ouvir e conversar com seus filhos, num ambiente livre de preconceitos. “Estou a falar de comportamentos e atitudes intergeracionais de relação pais e filhos. Em nossa cultura, a visão e a palavra das crianças é subestimada”.

Sublinhou ainda que os professores, não raras vezes, têm esse comportamento desajustado: subestimar a opinião das crianças, dai algum acanhamento que elas apresentam.

Por outro lado, Da lídia Franscisco, que é, igualmente, coordenadora de programa radiofónico infantil da Rádio local, sublinha que as autoridades governamentais, sejam de base ou de topo, não deixarão de ser “preconceituosas” para com crianças, por apenas serem governantes. “Preconceito não tem status”.

“Temos de mudar a estrutura sócio-cultural de relações sociais e de poder familiar, para que os adultos, gradualmente, em esferas várias, possam compreender a dignidade humana das crianças”.

Da Lídia Francisco é dinamizadora de programas e actividades infantis ao nível do distrito de Pebane: Organização dos Continuadores de Moçambique, Parlamento Infantil e Programa Radiofónico da Rádio Comunitária Muniga. Esta opera 11 horas por dia e só dedica duas horas, por semana, para programa infantil. Este programa, segundo soube o ZAMBEZE, versa sobre direitos da criança, servindo também para que as crianças saibam cantar.

Parlamento Infantil
O presidente do Parlamento Infantil de Pebane, Abáss Sapueira, lamentou ao ZAMBEZE o facto de o governo distrital “não cooperar” com o órgão que dirige, em várias actividades sobre crianças.

“Temos visto, com alguma constância, actividades para o desenvolvimento das crianças. Mas, nunca fomos consultados sobre as mesmas, para que antes de serem implementadas tenhamos alguma opinião”.

Sapueira diz nunca terem sido ouvidos pelo governo distrital sobre políticas públicas para o desenvolvimento integral de suas vidas.

Critica ainda o facto de o governo distrital ter subestimado a cerimónia de abertura do PI em Março último, “por não ter comparecido convenientemente". O nosso entrevistado adiantou que o governo distrital delegou o director de Saúde, quando “havia maior necessidade de o administrador estar presente”.

Sapueira, 14 anos, 8ª Classe, Escola Secundária de Pebane, é uma criança extrovertida que, no mínimo, conhece os seus direitos e deveres de cidadania.

O PI de Pebane reúne-se aos sábados na Escola Primária 24 de Julho, onde discute direitos da criança, situação da criança órfã e vulnerável e como fazer pressão sobre o Governo para garantir e materializar os seus direitos.

Governo Distrital

O secretário permanente do distrito de Pebane, Dúlio Nobre, reconhece que as crianças sejam minimizadas pelos adultos, em nossa estrutura familiar.

“Mas, penso que, ao nível da estrutura governamental, os governos de Moçambique sempre valorizaram as crianças, razão pela qual o primeiro governo de Moçambique Independente criou a Organização dos Continuadores e hoje existe o PI”.

Nobre referiu que a reclamação do PI de o Governo distrital subestimar auscultá-lo significa que elas (crianças) têm consciência de seu direito à opinião. “Que continuem a lutar, pelos seus direitos à expressão, para que a luta pela democracia avance”, sublinhou.

* Agradeço o apoio financeiro do UNICEF-Moçambique e o apoio técnico do MISA-Moçambique, para a feitura desta reportagem. Por Josué Bila
Publicado no ZAMBEZE, jornal moçambicano.

quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Execuções Sumárias e Tortura: Confererência de Imprensa

Liga Mocambicana dos Direitos Humanos

Generalidades

A Liga Moçambicana dos Direitos Humanos, organização da sociedade civil dedicada a defesa e promoção dos direitos humanos, apresenta hoje em conferência de imprensa as suas constatações sobre a situação das execuções sumárias e tortura no país desde Dezembro de 2007 até ao momento.
Antes de mais, é preciso parabenizar o grandioso trabalho que a Polícia da República de Moçambique tem realizado no combate a criminalidade e na garantia da ordem e tranquilidade públicas.
Moçambique é um país em que a criminalidade tem atingido nos últimos dias, proporções alarmantes, principalmente devido a maior organização dos criminosos e fraquezas no sistema nacional de prevenção de crimes.
Execuções sumárias e torturas são, na sua maioria, crimes cometidos por polícias ou outros agentes da lei e ordem, sendo que a história do país contribuiu bastante para a manutenção desse tipo de crime nas práticas quotidianas da corporação.
Embora Moçambique seja parte da Convenção das Nações Unidas contra a tortura e outros tratamentos degradantes, esses crimes ainda não têm nenhuma cobertura legal no nosso sistema jurídico, sendo em todas circunstancias tratados como ofensas corporais ou homicídios e não tortura e execuções sumárias respectivamente.Situação Actual
Até ao momento, a Liga de Direitos Humanos, tem na sua sede nacional, referentes a Maputo e Matola, reportado 15 casos de prováveis execuções sumárias, sendo que destes, não há dúvidas de que 7 foram realmente cometidos por agentes da corporação.Por questões obvias não mencionaremos os nomes das vítimas nem de alguns autores já conhecidos.
Dos sete casos, 3 são referentes aos corpos descobertos na vala comum da Moamba, sendo que um dos corpos pertencia a um jovem que em vida esteve detido no Comando da Cidade, que confirmou sua detenção e apreensão de seus bens domésticos.
Os outros quatro referem-se a dois cidadãos que em circunstancias diferentes foram abordados pela polícia, sendo que um deles foi baleado na sua própria viatura, tendo perdido a vida no Hospital Central e outro retirado da viatura e conduzido a um campo onde veio a ser baleado na Moamba.
Os outros dois referem-se também a dois jovens que foram mortalmente baleados um na Av. Acordos de Luzaka e outro na paragem de chapa do Benfica.
Os 8 corpos restantes dizem respeito a: 3 referentes a outro grupo de jovens considerados meliantes que foram executados e também enterrados na Moamba, sendo que um deles esteve detido na BO.
Os cinco referem-se a 3 jovens mortalmente baleados na Av. Guerra Popular e outros dois na sequência de 5 de Fevereiro.
Na sequência, a Liga dos Direitos Humanos, recebeu denuncias de vários casos de cidadãos que são dados por desaparecidos, sendo no total 6: três detidos, um dos quais mais tarde descoberto morto na Moamba na companhia de mais 2 jovens e outros três que desapareceram nos arredores das sua próprias moradias.
Até ao momento temos reportados 5 casos de tortura, sendo dois a quando dos acontecimentos de 5 de Fevereiro e 3 acontecidos recentemente, na semana que antecede o jogo de futebol entre a selecção moçambicana e a do Costa do Marfim, quando dois agentes interpelaram os jovens, os algemaram e sem razão nenhuma começaram a bater neles cruelmente tentando provar que eram criminosos.
Lembrar que a execução sumaria é sempre a fase mais elevada da tortura.
Entretanto, dois casos tiveram uma conclusão judicial favorável, sendo o caso Costa do Sol em que três agentes foram condenados a 21 anos de prisão e o caso do agente da casa militar que foi condenado a 18 anos de prisão.
Dos casos anteriores, há que salientar que o caso Penicela foi na semana passada acusado pelo Ministério Público e acredita-se que brevemente seguirá os seus ulteriores passos processuais.Causas das Execuções Sumárias
Várias podem ser as causas que levam os policiais a torturarem e ou a executarem cidadãos que se suspeitem ser criminosos, dentre várias podemos citar as seguintes:
Discursos preconceituosos e violentos como: impingir ódio ao criminoso, vingança ao criminoso, acabar com os criminosos;
Má selecção e má preparação ou treinamento dos agentes da lei e ordem que devem lidar com criminosos (recrutados na camada mais débil da população).
Dificuldades de dominar as técnicas de prevenção e investigação dos crimes (investigação, estratégia e inteligência);
Associação criminosa entre agentes policiais e bandidos (crime organizado);
Más condições de trabalho (salários baixos, falta de alimentos durante o dia de trabalho, esquadras sem condições materiais mínimas, farda e viaturas envelhecidas, etc) e incapacidade de manter uma superioridade de circunstancias com os criminosos (uma autoridade já afirmou que polícias trabalham no medo)
Corporativismo, impunidade e falta de Lei que condene as práticas: execuções sumárias e tortura);Quem Ganha Com a Tortura e as Execuções Sumárias
Mesmo que a política da corporação ou de alguns agentes que se pautem pelo assassinato de supostos criminosos, seja de manter a sociedade livre de malfeitores, a verdade é que a sociedade não ganha com isso. Ganham os criminosos e os vendedores de informação sensacionalista e nunca o Estado e a sociedade.
A tortura por exemplo, cria transtornos pesados e as vezes nunca reparáveis, tanto na vida de quem tortura bem como de quem é torturado.
Em Moçambique não há pena de morte e todos tem o direito a um julgamento justo. Na verdade, executar um cidadão, significa retira-lhe toda a possibilidade de gozar do seu direito a vida e de todos outros direitos a esse inerentes.Conclusões e Recomendações
O problema da tortura e das execuções sumárias em Moçambique continua sendo muito grande e é agravado por duas situações: falta de uma política pública de segurança pública e aceitação do mal pela corporação. Ou seja, a estratégia de combate ao crime não é participativo e inclusivo e a corporação recusa que no país os agentes executam sumariamente os cidadãos.
Hoje, diferentemente dos anos anteriores em que descobríamos corpos sem vida no Costa do Sol e sabia-se do respectivo campo como lugar de execuções, sabe-se que Moamba e outros lugares distantes são escolhidos para essas práticas, entretanto, como todos sabem, não há crime perfeito e sempre ficam rastos que indicam a mão da polícia, sejam eles no activo ou fora da corporação.
Mesmo que a corporação recuse, sabe-se que a nossa polícia está estruturada para matar. Está dentro dela uma boa parte dos antigos militares e as ordens mostram que o bandido deve ser eliminado. Isso por si só, vai perpetuar o mal, ou seja, mesmo os ganhos que temos em termos de condenações não vão ajudar em nada, pois, mais policiais, mais prisões e mais condenações significam mais presos, mas não necessariamente menos crimes.
Na verdade o se pretende não é intervir de forma individual mas estruturalmente, prevenindo o mal na sua base e não nos seus efeitos.
Assim, é necessário:
· Que o Estado perceba que a nossa policia trabalha em péssimas condições, que o seu salário é humilhante e que ele não tem o orgulho do seu trabalho;
· Que o criminoso, embora seja bandido é um ser humano e não um alvo a abater, dai que é preciso moderar o discurso do combate a criminalidade;
· Que é preciso purificar as fileiras policiais que estão capturadas pelo crime organizado;· Que o Estado precisa de uma Lei Contra a Tortura e Execuções Sumárias;
· Que não basta ter armas e polícias no campo, é preciso que tenhamos um política de segurança pública inclusiva e participativa;
· Que a impunidade é um dos grandes incentivos a desmandos, corrupção e más práticas de agentes do Estado;
· É importante que os cidadãos participem tanto no combate a criminalidade bem como na denuncia de todos actos praticados pelos policias: tortura e execuções. Sempre que um familiar desapareça de casa por um período anormal comunique-se às autoridades;
http://athiopia.blogspot.com/2008_09_01_archive.html

SNJ resgata premios anuais de jornalismo

O SINDICATO Nacional de Jornalistas e a Vodacom Moçambique acordaram ontem, em Maputo, a reactivação dos concursos de prémios anuais de jornalismo, cuja entrega deverá acontecer em Novembro próximo.

O acordo formalizado prevê o patrocínio em 50 mil dólares para a atribuição dos prémios e a organização da gala anual na qual serão premiados os melhores trabalhos concorrentes que tiverem sido publicados entre 1 de Outubro de 2007 e 31 de Outubro deste ano.

O acordo estabelece um prémio de dez mil dólares para o melhor trabalho de investigação que leva o nome de Grande Prémio SNJ Aquino de Bragança e para os restantes serão atribuídos valores na ordem de três mil dólares por concorrente. Assim, este valor será para os prémio Leite de Vasconcelos para a melhor reportagem radiofónica, Daniel Maquinasse para o melhor reportagem fotográfica, Ian Chiristie para a melhor trabalho na área económica e Teresa Sã Nogueira para a melhor reportagem televisiva e Abel Faífe para a reportagem de imprensa e Saíde Omar para a melhor reportagem desportiva.

Falando na ocasião, o Presidente do Conselho de Administração da Vodacom, Alfredo Gamito, disse que era um privilégio para a sua empresa patrocinar aqueles prémios que ajudarão a resgatar a imagem de profissionais de informação que deram o seu máximo para prestigiar o jornalismo.

Gamito disse que se associava aos jornalistas pelo seu papel na informação, promoção da imagem do país e por serem eles que levam ao conhecimento dos destinatários os vários acontecimentos. “Sinto-me motivado e satisfeito porque em boa hora foram resgatados os prémios e esperamos que os profissionais o prestigiem e possamos entregá-los com grande satisfação”, disse.
Por seu turno, o secretário-geral do SNJ, Eduardo Constantino, indicou que razões de ordem financeira fizeram com que estes prémios anuais deixassem de ser atribuídos e a parceria com a Vodacom permite assim resgatá-los.

Eduardo Constantino disse que este é um desafio que é lançado aos profissionais de informação, que deverão honrar o prémio com a sua participação.Após a assinatura do acordo, segue-se a divulgação do regulamento do concurso cujos trabalhos devem ser entregues até 31 de Outubro próximo na sede do Sindicato Nacional de Jornalistas. Os trabalhos serão analisados por uma equipa de profissionais de reconhecida competência, que deverão garantir a necessária transparência e independência na decisão.

Fonte: Jornal noticias www.jornalnoticias.co.mz

Universalidade e indivisibilidade de direitos humanos

Josué Bila

Quando comumente ouvimos dizer ou lemos nalgum lugar que os direitos humanos são universais (universalidade) quer explicar-se que a pessoa humana, independentemente do lugar de nascimento, condição económica, etnia e outros atributos sociais, tem direitos. Não importa se nasceu/vive numa localidade escondida e esquecida de Moçambique e outra pessoa esteja a viver em Nova Iorque. O certo e o mais certo é que os dois têm direitos de pessoa humana: ter nome, cobertor, alimentos, habitação, saúde, educação, emprego, ser votante, participação política, gozar de respeito por agentes e autoridades policiais, judiciais e governamentais e demais direitos de cidadania que trazem proximidade e completude à justiça social e direitos humanos. A característica de universalidade é aplicável a todas as pessoas de todos os países, etnias, religiões e sexos, seja qual for o regime político dos territórios nos quais incide. Para a professora Flávia Piovesan (2006), a universalidade clama pela extensão universal dos direitos humanos, sob a crença de que a condição de pessoa é o requisito único para a titularidade de direitos humanos, considerando o ser humano como um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e de dignidade.

Entretanto, indivisibilidade dos direitos humanos significa que a garantia dos direitos civis e políticos é a condição para a observância dos direitos sociais, económicos e culturais – e vice-versa. Quando um deles é garantido, os demais direitos correspondentes também o são. Da mesma maneira, quando um deles é violado, os demais também o são. Sobre este último ponto, vamos a um exemplo: o caso do direito à saúde e do direito à vida.
Imaginemos um doente pobre que se desloca ao hospital, por estar doente de malária. Chegado ao hospital é atendido tardiamente, por um agente mal preparado e não especializado para essa doença. Depois de ter sido atendido e ter sido passado a receita médica, o doente desloca-se para a farmácia e aqui não encontra o medicamento. Aliás, sai do hospital sem saber quantas cruzes tem a sua malária. Como resultado destes “caminhos sinuosos hospitalares”, o doente acaba morrendo de malária. Temos, neste exemplo, duas palavras: doente e morrendo. O doente procurou que o seu direito à saúde fosse reposto ou garantido por meio de serviços de saúde pública e estes não lhe tendo atendido, com urgência e profissionalismo, acabou perdendo a vida. Pensando na indivisibilidade dos direitos humanos, o direito à saúde violado (doença mal atendida) acabou, por consequência, violando o direito à vida (morte/morrendo). Em outras palavras, a violação de um direito é, por consequência, a violação de outr(os)o. direit(os)o.

Importância do conhecimento dos direitos humanos

O conhecimento dos direitos humanos remete-nos à consciência de que, por sermos pessoas, temos direitos inerentes à nossa condição humana. Faz-nos ainda reflectir sobre a exclusão e opressão sociais a que estivermos sofrendo, nalgum momento de nossa existência social. Se sofremos a exclusão e opressão sociais podemos resistir e manifestarmo-nos para que os direitos humanos violados possam ser repostos ou garantidos.

Por exemplo, se determinados pais sabem que seus filhos têm direito humano à educação primária completa e que esse direito deve ser garantido e materializado pelo Estado já é uma vantagem. É uma vantagem porque, caso se desloquem à escola para matricularem seu filho menor e a escola lhe disser que não há vaga, podem reclamar a vaga ao governo central, provincial ou distrital, tribunais e outros organismos do Estado, para que o direito de o filho estudar seja garantido ou materializado. Este tipo de reclamação ou protesto obriga ao Estado a estar sempre atento às suas acções e programas governamentais, de modo a pensar e a garantir direitos humanos aos cidadãos.

Outra vantagem: O cidadão conhecendo os seus direitos humanos, sabe, igualmente, que alguém tem a obrigação de suprir as necessidades desses direitos humanos. O primeiro exemplo é elucidativo. O filho-criança tem direito à educação. Isso significa que alguém (Estado, Governo, administração distrital, direcção de escola) tem o dever ou obrigação de lhe garantir o direito à educação escolar.

Na verdade, os moçambicanos precisam de ganhar consciência de que têm direitos humanos que, em muitos dos casos, não são garantidos pelo Estado. Ao ganhar tal consciência, os moçambicanos poderão exigir do mesmo Estado ou Governo, para que este implemente os direitos humanos.

O exemplo de direito à educação é extensivo e aplicável para muitos outros direitos humanos garantidos ou materializados pelo Estado ou Governo.
Assim, para que a população reivindique os seus direitos junto das autoridades governamentais ou estatais (a nível central, nacional e local) é necessário que antes conheça os seus legítimos direitos, bem como obrigações e deveres do Estado, que é o garante e protector primário dos direitos dos cidadãos